[resenha] Contágio


Este foi um ano muito atípico para todos nós: nos assustamos com a chegada de uma doença que nos fez mudar muitos aspectos de nossas vidas. Para aqueles que entenderam e pensam tanto em si próprios como nas pessoas que vivem ao nosso redor, 2020 foi um período em que fizemos tanto e fizemos nada ao mesmo tempo. Para quem me segue no Instagram (me siga, @thedeiwz) viu que este ano aproveitei o período de isolamento para ler livros[1]. Nunca tinha lido mais que 10, 12 livros em um ano. Quando eu vi que tinha passado de 20 ainda na metade deste ano, percebi que tinha conseguido criar uma boa rotina na leitura.

Li alguns clássicos e outros nem tanto[2] mas, com a chegada da pandemia, tendemos a nos informar mais sobre o assunto tão em voga. Além das lives e tweets do Átila, das entrevistas da Pasternak e dos dados liberados por meia duzia de lugares, os livros nos ajuda a fornecer uma base mais sólida para que esses novos dados se sustentem melhor. E, em boa hora, chegou no país a tradução do livro 'Spillover', de David Quammen, que recebeu o nome de 'Contágio'.

O livro, publicado originalmente no começo dos anos 2010, ressurgiu entre os mais lidos este ano pois, acompanhando o conhecimento científico, o livro "previu" que algum coronavírus poderia ser responsável por uma nova epidemia em nível mundial, uma pandemia.

Naturalmente ele não previu isso: no capítulo em questão, sobre a SARS, que é uma doença causada por coronavírus, o autor refaz a história da transmissão da doença e as pesquisas para encontrar a origem dela. Quammen sempre nos lembra no livro de que "tudo vem de algum lugar", nos recordando que a maioria das doenças que nos acomete atualmente são zoonoses, ou seja, elas viviam entre animais domésticos e silvestres e, devido a algum fenômeno[3], elas pularam para a gente.

Assim, no capítulo em questão, a medida que Quammen entrevistas cientistas e especialistas, ele monta um cenário de que estes vírus estão na natureza vivendo entre animais os quais já estão adaptados há milênios e que, por azar ou pelas condições do momento, estes vírus nos encontram e, ganhando a capacidade de transmissão humano-humano, se propagam livremente. Ele monta essa possibilidade para o coronavírus, que é um vírus de transmissão por contato e que, como ocorreu com a SARS (e com a MERS, que não tinha acontecido na época da publicação do livro), em breve ocorreria algum em nível global.

E agora estamos às voltas com a covid-19[4].

Mas, claro, o livro vai além do nostradâmico capítulo sobre SARS. Ele é um prato cheio para quem quer entender sobre algumas doenças bem conhecidas e outras nem tanto, em como nosso conhecimento avançou no entendimento de como algumas doenças pulam dos animais para os humanos ou como doenças em animais silvestres pularam para animais domésticos e estes para nós. O livro nos presenteia com informações sobre ebola, vírus hendra e HIV/aids.

'Contágio', de David Quammen é super recomendado para quem quer entender mais sobre as oportunidades as quais os vírus e bactérias se aproveitam para pular para a humanidade e nos recorda de que, infelizmente, a pandemia covid-19 não será a última do tipo. A medida em que degradamos a natureza, invadimos os espaços naturais e perturbamos a dinâmica ecológica, estaremos sempre suscetíveis a estas novas enfermidades. Nos resta termos conhecimento e precaução.

E contar com a ciência!

Contágio
David Quammen
Companhia das Letras, 2020
730 páginas (ebook).

Você pode adquiri-lo na Amazon, neste link.





Rodapé:
[1]: sempre fui um apaixonado por livros, mas com a entrada no mundo da graduação e, posteriormente, no mundo da pós-graduação, minha leituras (e até mesmo minhas escritas aqui no blog) cairam dramaticamente. Mas, como explico no texto, 2020 foi o ano em que consegui retomar minhas leituras de forma primorosa (infelizmente as escritas aqui no blog não seguiram o mesmo caminho, apesar de manter a página no Facebook constantemente atualizada).

[2]: todos os livros que li estão salvos nos destaques do stories no Instagram (foram desde clássicos como 'O sofrimento do jovem Werther', de Goethe, passando por mangás como da série 'Atelier of Witch Hat', de Shirahama Kamone e romances pop como 'Estilhaça-me', de Tahereh Mafi. Além disso, mantenho minha conta no Skoob, uma rede social para amantes de livros que recomendo bastante para conhecer gente que gosta de livros e sugestões de leitura. Meu perfil é este aqui.

[3]: este fenômeno, que é o contágio, mas que os tradutores mantiveram como sendo 'spillover', pode ocorrer por muitas formas. A mais comum é quando invadimos (o humano) o ambiente natural para construção de habitações ou práticas agropecuárias, o que acaba perturbando a dinâmica ecológica no local. Espécies de animais e plantas que não estávamos acostumados a entrar em contato se tornam mais comuns e doenças que estes animais carregam naturalmente podem ser transmitidos para nós. A caça e o consumo de animais silvestres, principalmente na África e sudeste asiático são condições propícias para ocorrer o spillover.

[4]: apesar de bastante debatido ainda, o spillover da covid-19 provavelmente ocorreu em algum momento o qual animais com coronavírus (como morcegos e pangolins) transmitiram estes vírus livremente em mercados úmidos no sul da China. O encontro de tipos virais diferentes que não se encontrariam naturalmente, pode ter permitido a estes vírus a capacidade de transmitir com sucesso para humanos e, uma vez dentro de nós, ganharam a capacidade de transmissão entre humanos. A diferença entre a covid-19 e a SARS é que o novo coronavírus consegue se multiplicar em grandes quantidades e se dispersar ANTES da manifestação dos sintomas (se houver); a SARS, por outro lado, tinha sua capacidade de transmissão apenas APÓS o início dos sintomas. Isso explica o fato da maioria dos casos terem ocorrido em ambiente hospitalar e ter sido contida rapidamente. Dessa vez a situação é muito mais complicada.

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