Brânquias, maxilas e audição - parte 1


Desenho de um peixe primitivo do período Devoniano, cerca de 400 milhões de anos. Os
placordermes (na imagem) são os ancestrais de todos os animais maxilados existentes hoje,
desde os peixes até os mamíferos.


A Evolução, desde a época de Darwin, vira e mexe nos surpreende. Embora muitos ainda a considerem como sendo algo falso, é inevitável para o bom cientista - e para a pessoa que realmente pesquisa e se interessa sobre o assunto - que a Evolução praticamente é um fato. Sustentado por diversas evidências, vindas tanto de laboratórios espalhados pelo planeta como observação da própria natureza, a Teoria da Evolução consegue responder as dúvidas sobre a grande diversidade dos seres viventes nesse planeta. 

Embora haja uma discussão sobre quais são as formas mais basais de vida (seres que compartilham as características mais primitivas de um determinado grupo) e as mais derivadas, sabemos que todas elas descendem de um ancestral em comum que viveu nos primitivos mares da Terra cerca de 3,5 bilhões de anos atrás. Como a transmissão dos caracteres de um organismo nunca é passada de forma 100% correta (erros ocorrem o tempo todo) tais mutações podem beneficiar ou não o portador dessa mudança. Essas mudanças são acumuladas ao longo do tempo e, se conferir uma vantagem em relação àquele organismo que não a tem, a Seleção Natural entra em jogo e dá sua cartada. 

Bom, essa breve introdução vai me ajudar - espero - a te levar para o objetivo do título do post. Afinal, o que brânquias, mandíbulas e audição têm a ver um com o outro? Antes de chegar nessa questão precisamos ver um pouquinho sobre a Árvore da Vida e sobre o principal grupo no qual os vertebrados (todos conhecidos) estão inseridos. 

Filogenia
Primeiramente precisamos ver como os cientistas organizam as milhões de espécies (tanto vivas como extintas) de um modo que faça sentido e não se perca na bagunça. Lá em meados do século XVIII o sueco Carolus Linnaeus deu a primeira roupagem científica na classificação de plantas e animais. Em Systema Naturae surge a ideia que chamamos de nomenclatura binomial, onde as espécies são designadas com dois nomes que as especificam (um do gênero onde ela se encontra e outra a espécie específica (por isso binomial)). Um exemplo seria o nome científico da nossa espécie: Homo sapiens. No caso, Homo designa o nome do gênero onde estamos inseridos e Homo sapiens o nome específico de nossa espécie (chamado epíteto de espécie).

Com o passar dos anos, outras ideias foram surgindo que relacionam melhor as diversas espécies que conhecemos. A primeira grande mudança veio no começo do século XX, com o advento da Taxonomia Evolutiva. Nela as espécies que compartilham características morfológicas comuns (como, por exemplo, o fato de ter penas) e terem a mesma zona adaptativa são colocadas dentro de um grande grupo ou táxon. De acordo com o paleontólogo George Simpson - e um dos principais a ajudarem a formular os conceitos da Taxonomia Evolutiva - descreveu zona adaptativa como sendo "uma relação mútua entre organismo e ambiente, um modo de vida e não o local onde a vida é conduzida". Ou seja, para ele, quando um organismo vivendo em um determinado local se modifica morfologicamente e passa a utilizar os recursos do ambiente de forma totalmente nova, esse organismo atinge uma nova zona adaptativa. Com isso o organismo passa a ser classificado em um novo ramo na classificação biológica.


Lampreia (Petromyzon marinus) usado por meu
grupo em uma aula prática de vertebrados.
Entretanto a Taxonomia Evolutiva apresenta um problema sério: muitas vezes, por considerar principalmente características morfológicas na hora de classificar os organismos, espécies que não possuem um ancestral comum direto eram, algumas vezes, classificadas como pertencentes ao mesmo grupo. Um exemplo seria os peixes não-mandibulados como a lampreia e a fenticeira. Pela Taxonomia Evolutiva eles são agrupados num único grupo chamado Agnatha (do Gr. a = não; gnathos = maxila). Porém, sabe-se que esses animais não possuem um ancestral em comum entre si. Tanto que a Sistemática Filogenética coloca as lampreias como sendo mais próximas dos animais que possuem maxila do que com a fenticeira (que também não possui).

A primeira coisa que vem na sua cabeça é: como assim a lampreia é mais aparentada com os maxilados do que a fenticeira, que também não tem maxilas!? E que raios é isso de Sistemática Filogenética? Estenderei o assunto para próximo post onde mostrarei com mais calma sobre a nova visão de classificação biológica e como ela me ajudará a explicar a relação que existe entre brânquias, maxilas e audição. Até lá.

Todas as referências bibliográficas estarão no último post da série.

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