9 Meses - post 5

Aproximadamente após seis horas desde a fecundação, o zigoto realiza a sua primeira divisão.
A partir dela, diversas divisões celulares irão ocorrer para dar origem ao organismo completo.

Futura mãe...
Seis horas. O incessante e irritante pém-pém-pém do relógio da cabeceira os lembrava que as férias haviam chegado ao fim. Pelo menos para Carlos, que voltara na última quarta-feira. Ana voltaria ao seu trabalho na segunda-feira seguinte mas o barulho do despertador não perdoava ninguém. Depois de um rápido café da manhã, Ana se encontrava sozinha em sua casa. Resolvera fazer uma limpeza geral.

Depois de um tempo limpando o quarto, ela encontrou, no fundo do guarda-roupa quase esquecido, um livro de embriologia que ela estava procurando fazia um bom tempo. Ela chegou a pensar que teria emprestado o livro a alguém e não havia devolvido. Mas ele estava lá, com a velha capa que a fez lembrar dos tempos de faculdade, onde saia com os amigos para ir em bares e festas. Resolveu folhear um pouco para ver como andava a memória sobre os eventos que aprendera a alguns anos atrás. O texto dizia:

"Logo após o encontro com o espermatozóide [ainda com acento], o óvulo completa sua segunda fase da divisão meiótica (veja no capítulo 2), liberando o segundo corpúsculo polar. Logo após esse processo, teremos uma única grande célula denominada zigoto. O zigoto irá se preparar para que ocorra a primeira divisão mitótica (veja no capítulo 2), aproximadamente seis horas após o seu surgimento. Nesse processo..."

Ela parou de ler. Tinha esquecido o quão chato era aquele livro. Tanto que, lembrou logo em seguida, praticamente não o usava, graças ao seu professor de Embriologia que explicava as etapas que parecia serem simples para entenderem, mesmo sendo complexas. Isso explicava o livro estar guardado no fundo do guarda-roupa. Entretanto, gostava das imagens que existiam nele, muito bem detalhadas. Então resolveu ir lembrando das etapas que ocorriam logo após a fecundação e ir verificando com as imagens do livro. Começou a falar sozinha, enquanto se sentava com as pernas cruzadas em um sofá da sala.

-- Quando o ovócito é fecundado, os cromossomos dele com o do espermatozoide se encontram e se fundem, gerando um núcleo com 46 cromossomos, no caso de nós, humanos. Temos então, uma grande célula com material genético do pai e da mãe, que chamamos de zigoto - ela ia dizendo para alguém imaginário que estaria disposto a ouvi-la - Esse zigoto, com o passar das horas, se prepara para se dividir[1], já que o organismo humano é feito de bilhões de células. Aproximadamente seis horas após a formação do zigoto, ocorre a primeira divisão, formando o que chamamos de blastômero, que é nada mais que as células-filhas resultantes do zigoto. Esse blastômero continua a se dividir originando, em seguida, quatro células e depois oito.

Ana lembra que esse grupo de células estão sendo levados em direção ao útero e, para tornar a sua auto-explicação mais didática, ela resolve caminhar pela casa com o livro em mãos.

-- A próxima divisão resultará em 16 células. Olhando para o microscópio, esse amontoado de células ficam parecidas com uma amora. Por isso, nesse estágio esse amontoado recebe o nome de mórula. A divisão continua a todo o vapor. Pois bem, durante todo esse tempo, as células estavam dentro da zona pelúcida que conferia uma espécie de lar enquanto elas são levadas em direção ao útero. Isso é importante já que no começo, essas células não possuem especializações de membrana que permitem que todas se mantenham juntas. Se a zona pelúcida não existisse, a cada divisão celular, as células iam se separando e 'desgarrando' uma das outras. E como para as pequenas células o corpo da mulher é um lugar muito grande, todas se perderiam uma das outras. Entretanto, com o passar dos dias e com as divisões celulares, começam a surgir algumas especializações de membranas de modo que aquela bolota de células fiquem juntas, mesmo sem a zona pelúcida para mantê-las unidas. Tanto é que, quando a mórula vai se aproximando do útero, a zona pelúcida começa a degenerar.

Essa degeneração faz com que o muco que fica na tuba uterina e no próprio útero comece a entrar em contato com essa células, escorrendo por entre elas. Em pouco tempo temos dois tipos de células bem visíveis e que ditarão o futuro do embrião. No lado de fora, formando uma capa externa, temos o trofoblasto. No lado de dentro, um grupinho de células que serão as responsáveis em dar origem ao embrião propriamente dito: o embrioblasto. Esse conjunto de células saem do fase de mórula e entram, agora, na fase de blástula. O líquido que entrou por entre as células se acumulam entre elas, formando um espaço, que é chamado de cavidade blastocística.

Ana dá um sorriso de satisfação por se lembrar quase perfeitamente das etapas quando comparou com as imagens do livro. Ela então percebe que, enquanto ia explicando ao seu aluno imaginário, ela foi parar no quintal de sua casa e a vizinha, acabou pegando a parte final da aula. Envergonhada, ela pede desculpas por ficar falando alto. A vizinha dá um sorriso despreocupado, mostrando que estava acostumada com a mania de Ana andar falando sozinha. Ana entra novamente para dentro de casa.

Desenho ilustrando a primeira semana de desenvolvimento embrionário. Em 'A' o zigoto recém-formado. Essa
grande célula irá se dividir continuamente, visto em 'B', 'C' e 'D'. Quando temos mais de 16 células, recebe o
nome de mórula, em alusão a uma amora, já que as células ficam semelhantes ao fruto, como vemos em 'E'.
Em 'F', o embrião se encontra em fase de blástula. Na parte inferior à esquerda da imagem, uma ampliação
de 'F' indicando as estruturas que são possíveis ver nessa fase.

-- Mas não posso nem falar sozinha mais por aqui! - nesse momento, ela pensa um pouco e achou que realmente não é comum ver pessoas falando sozinhas sobre desenvolvimento embrionário - bom, é melhor eu deixar isso para depois. Logo logo esse embrião se fixa no útero e daí não paro mais de falar.

Ela deixou o livro em uma mesa no pequeno escritório do marido e voltou a fazer a faxina. Mais a noite, a vizinha contou ao seu marido que ouviu Ana falando sozinha e que, possivelmente estava brava, tanto que xingava em até outros idiomas. Ela se lembrava apenas de trofobasto, ou blasto... ou coisa assim...

Informações extras:
[1]: o processo de divisão recebe o nome de clivagem, já que há um aumento no número de células, mas uma diminuição no tamanho das mesmas. Isso corre pois todo o material que deu origem a todas elas estava lá desde o início. Isso explica o fato do ovócito ser uma célula muito grande. Ela terá que dar conta de si própria por, aproximadamente uma semana.

P.s.: o trecho citado por Ana quando lia o livro foi criado por mim. Qualquer semelhança com um livro de verdade não passa de mera coincidência.

Imagem disponível aqui. Desenho esquemático feito por mim, protegido por CC.

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