9 Meses - post 23

A fome de Ana no café da manhã surpreendeu Carlos. Isso permitiu Carlos saber mais
sobre como funciona a nutrição de sua bebê.

Fome!

Por volta das 9h00 da manhã as paredes da casa observam uma mulher chegar com várias sacolas de supermercado. O ar automaticamente fica carregado com diversos odores. O cheiro de bolo de laranja era inconfundível. Entretanto ele não escondia o cheiro de pão de queijo que acabara de sair do forno. A fumacinha saindo da embalagem despertava mais desejo em comê-los. O suco de laranja que o marido preparou antes de ir para o trabalho já tinha sido consumido antes mesmo da ida ao supermercado. "Café", veio em mente rapidamente ao pensar em que tomar no desjejum mais que reforçado. Enquanto esquentava a água para o café, ia guardando alguns iogurtes, pães e frutas em seus lugares.

Subiu rapidamente, mas tomando cuidado com a bebê, e pôs seu pijama mais confortável. Ao descer, Ana verteu a água adoçada sobre o pó de café. Em segundos a cozinha ganhou outro cheiro, que entrou profundamente nas narinas de Ana, não vendo a hora de sentar e tomar seu café da manhã.

Ana não é de comer muito, entretanto, hoje estava atípico. Não sabia ao certo se a bebê estava pedindo mais comida devido ao seu rápido desenvolvimento nas últimas semanas de gestação ou se simplesmente comeu pouco na noite anterior e acordara com mais fome que o normal.

Mais tarde, ao retornar do trabalho, Carlos ficou surpreso com as coisas que encontrou na cozinha e ficou feliz ao ver um pãozinho de queijo esquecido no fundo da embalagem.

-- Quem veio aqui, meu amor? - perguntou Carlos, não reparando ao fato de Ana estar de pijama (que implicaria em que ela jamais receberia alguém desse jeito).

-- Ninguém amor... aquilo na cozinha foi pra mim mesmo - disse Ana como se fosse a coisa mais comum do mundo. Carlos não escondeu a surpresa. Ana observou seu marido com aquela típica expressão de 'você está falando sério?' e continuou - eu estava com mais fome que o normal, ué? Estou grávida, esqueceu?

-- Claro que não esqueci - disse Carlos, seguindo de uma leve risada. Após isso, Carlos se ajoelhou, deu um beijo na barriga de Ana e ficou alguns segundos com o rosto deitado nela. Então disse:

-- Amor... como nosso bebê se alimenta?

-- Hum... - a biblioteca com o acervo biológico de Ana se abre em sua mente, folheia rapidamente as páginas neurais e solta a resposta da forma mais didática possível - bom, o cordão umbilical é a ponte de ligação da mãe com o feto. O feto está preso na mãe não pelo cordão umbilical e sim dentro de uma bola de tecido chamado placenta.

-- O bebê não fica pendurado dentro do útero?

-- Não - disse, rindo levemente - o bebê na verdade não se desenvolve na luz do útero[1], ele acaba crescendo nesse espaço, mas na verdade ele se desenvolve no endométrio, aquele tecido que cresce todo mês na mulher se preparando para a gravidez, lembra?[2] - o marido concorda com a cabeça, afirmando estar se lembrando do que Ana falou meses atrás - então, a borda da placenta que está voltada para a mãe, ou seja, que está ligado diretamente com o útero, começa a ganhar vilosidades, que servem para ancorar melhor a placenta no endométrio mas, também, para permitir que a mãe troque substâncias importantes com o filho e vice-versa.

-- Mas como isso acontece? Que eu saiba o sangue da mãe e do feto não se misturam.

-- Exatamente, eles não se misturam. O que acontece é o seguinte: o endométrio da mãe cria vários espaços cheios de sangue. Nesses espaços, o vilosidade coriônica, que tem um aspecto de um ramo de uma árvore, fica mergulhado. Desse jeito, o feto consegue captar e eliminar o que precisa.

Desenho esquematizando a placenta e as vilosidades coriônicas. Em 'A' detalhando a placenta de um feto
de, aproximadamente, 25 semanas. É possível ver o saco vitelino bem reduzido. O espaço interviloso
(em vermelho na imagem) é o espaço onde é preenchido pelo sangue materno. As veias e artérias da mãe
são responsáveis pela movimentação do sangue no interior desse espaço.
Em 'B' o detalhe de uma vilosidade coriônica mostrando os vasos sanguíneos do feto inserido no
sinciciotrofoblasto. Em azul o sangue arterial pobre em oxigênio[3] e, em vermelho, o sangue
venoso rico em oxigênio. O sangue da mãe não se mistura com do filho graças à membrana placentária,
que seleciona o que é absorvido pelo feto.

-- Mas essa vilosidade coriônica é o que, afinal? Vasos sanguíneos?

-- Sim. Ele é feito de arteríolas e vênulas[3] que transportam o sangue do feto. A troca de substâncias ocorre em capilares nas pontas dessas vilosidades. Mas além desses vasos, existem uma camada de células da placenta, que funciona como uma barreira placentária, controlando o que deve entrar para o feto.

-- Nossa, que dizer que os nutrientes e oxigênio precisa atravessar várias"paredes", por assim dizer?

-- Sim, atravessar o endotélio (que são células que formam o vaso sanguíneo) e os tecidos que forma a membrana placentária.

-- Nossa, que bacana...

-- Ou seja, o feto não fica pendurado dentro da gente como uma lâmpada segurada apenas pelos fios e o sangue dele não se mistura com o da mãe pela presença da membrana placentária. É a partir dele que o bebê se alimenta...

-- Sim, entendi. Muito interessante mas... - Ana olha preocupada para o marido: "o que será que ele não entendeu?" - não era bem isso que eu estava pensando no começo.

-- Como assim?

-- Na verdade eu queria saber como se desenvolve o estômago, o intestino, essas coisas...

-- Mas por que você não me falou antes?

-- É que isso estava interessante também!

-- Ai amor... é assim... - Ana ponderou um pouco, analisou uma situação que considerou importante e disse - eu conto mais tarde pra você. Agora bateu uma fominha. Vamos comer alguma coisa?

Carlos olhou para Ana com olhar surpreso e disse:

-- Onde está minha mulher! O que você fez com ela? - disse pegando Ana levemente pelos braços. Em seguida ambos riram. Segundos depois, Ana estava na cozinha, fuçando em algo para comer.

Informações extras:
[1]: na Biologia dizemos 'luz' para a cavidade ou espaço vazio no órgão ou estrutura. Ela se remete ao fato de, se feito um corte histológico (para observação no microscópio), o local onde não existem células a luz do microscópio passa livre. A luz do útero ou de um vaso é isso, o espaço por onde a luz atravessa sem encontrar nada no caminho.

[2]: o endométrio se desenvolve para preparar a recepção de um novo ser que irá se formar nele. A menstruação é quando esse endométrio não foi usado (a mulher não engravidou) e é descartado por ações hormonais. Veja mais na primeira publicação da série 9 Meses, aqui.

[3]: arteríolas são artérias de menor calibre, assim como as vênulas são veias de menor calibre. No feto, as arteríolas transportam sangue pouco oxigenado e excretas geradas pelas células do feto e as vênulas transportam sangue oxigenado e nutrientes. No organismo já formado, as artérias transportam sangue bem oxigenado para o corpo e as veias transportam sangue pobre em oxigênio. Lembrando que esse processo no organismo já formado ocorre na circulação sistêmica ou grande circulação.

Com imagem por ~Nora-Sims em seu deviantART. Desenhos feitos por mim, protegidos por CC.

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