Arquivo Scientia - 25 de abril de 1953


Hoje, há 60 anos[1], um artigo mudaria a forma como olharíamos para a vida biológica. Watson e Crick sugerem, na Nature[2], a estrutura do ácido desoxirribonucleico, o DNA.

Obviamente a história do DNA não começa aqui (o que sugere futuras postagens do Arquivo Scientia sobre o assunto). Abrindo um rápido parênteses, a primeira citação do DNA foi feita por Friedrich Miescher em 1869. Entretanto, ele ainda o chamara de nucleína, visto que ele não sabia exatamente o que era, mas sabia que era encontrado no núcleo celular. Mais tarde, Richard Altmann obteve preparações mais puras da nucleína e, assim como Miescher, percebeu o caráter ácido da substância. Portanto, ele sugeriu a mudança do nome de nucleína para ácido nucleico. Já em 1928, Friedrich Griffith fez um clássico experimento mostrando que eram os ácidos nucleicos os responsáveis pela hereditariedade (ainda não se tinha certeza se eram esses ácidos nucleicos ou as proteínas).

Até a década de 50 já se sabia muita coisa sobre o DNA e os genes. Tinha-se ideia de como os elementos químicos se reuniam para formar um nucleotídeo mas ainda faltava saber como o DNA se organizava estruturalmente. Embora pareça que agora é a hora de Watson e Crick chegarem dizendo que sabem como o DNA está estruturado e tudo mais, a coisa não é bem assim. Como sabemos e como iremos ver aqui, a Ciência caminha com o acúmulo de conhecimento de várias pessoas que se debruçam em cima de um assunto. Sim, aqueles cientistas que citei acima (e tantos outros) apenas deram um ponta-pé sobre o entendimento do DNA como um todo.

Tudo começa com Rudolf Signer, que junto com seus doutorandos, desenvolveu um novo método de purificação de DNA. Assim, ele obtinha longas fibras de material genético. Em 1950, durante uma conferência, Signer levou consigo 15 g de fibras de DNA. Vai que alguém, em sua mente científica, estivesse precisando de uma amostra, não é mesmo? E, por incrível que pareça, alguém se interessou por aquilo. Maurice Wilkins assistira sua palestra e pediu para levar o material para estudo. No laboratório, ele e Raymond Gosling conseguiram cristalizar o DNA. Esse processo permite usar a técnica de difração por raio-X, que é usado até hoje para entender a estrutura de um cristal. Com isso, eles publicam um artigo dando informações valiosas para a época: a largura do DNA é de 20 Å (ou seja, 2 nm) e que a sua forma possivelmente era helicoidal.

No começo de 1951, Rosalind Franklin, especialista em difração de raio-X começou a trabalhar no King's College sobre DNA[3]. Suas fotografias e refinamentos nos estudos foram fundamentais, como veremos adiante, para determinar a estrutura do DNA.

Agora entra as figuras de Watson e Crick. Eles se conheceram em outubro de 1951 e, um mês depois, começaram a montar uma estrutura em escala do DNA (considerando todos as dimensões e espaços interatômicos) usando arames e metal (semelhante a imagem dos dois na abertura dessa postagem). Entretanto, eles seguiam os trabalhos de Linus Pauling que acreditava a estrutura do DNA ser helicoidal, mas de três hélices. Entretanto, não muito tempo após terem começado a montagem, o trio Wilkins, Gosling e Franklin visitaram Watson e Crick e informaram que a tripla hélice não é condizente o que estavam obtendo através da difração por raio-X.

Pauling resolveu se afastar um pouco sobre o assunto do DNA, fazendo Watson e Crick também arrefecerem a curiosidade (na verdade, eles foram proibidos de continuar com esse tipo de pesquisa por um tempo por ordem do chefe do laboratório). Com os constantes desentendimentos, Rosalind pediu transferência para Birkbeck College, deixando para trás diversas fotografias de difração de raio-X do DNA.

Em janeiro de 1953, Watson e Crick tiveram acesso a um manuscrito de Pauling que submetera à renomada Nature sobre a sua sugestão da estrutura do DNA. Como ele [Pauling] não tivera acesso a imagens mais bem detalhadas de difração do DNA, ele insistira no artigo sobre o DNA se apresentar na forma de tripla hélice. A dupla, ao ver o erro do cientista, pediram para voltar ao trabalho com o DNA.

A famosa 'foto 51', de Rosalind Franklin.
Com isso, ainda em janeiro desse ano, Gosling entregou para Wilkins uma cópia de uma das imagens mais nítidas feitas por Rosalind, sem o consentimento dela. A imagem é a famosa 'foto 51'. Wilkins mostrou a foto 51 para Watson e ele, rapidamente entendeu como deveria ser a estrutura do DNA. Watson reuniu-se com Crick e refizeram seus trabalhos usando a armação de arames e, no começo de março, durante um almoço no pub Eagle, Crick gritou que "hoje desvendamos o segredo da vida"

Posteriormente, a Watson e Crick apresentaram a estrutura que fizeram para o trio (Wilkins, Gosling e Franklin) e todos concordaram com o que viram. A dupla chamou Wilkins para ser terceiro autor, mas este disse que ajudou apenas de modo indireto e, de certa forma, se sentiu ofendido pelo convite[4]. Livros e entrevistas posteriores não mostram que o convite tivesse sido dado a Rosalind Franklin (já que ela havia tirado as fotografias).

Geraldo Arias, pesquisador da Embrapa Trigo, conta em maiores detalhes em seu artigo sobre a história por trás de toda a busca em descobrir a estrutura do DNA. Vale a pena a leitura. Clique aqui (em .pdf) ou veja o link nas referências abaixo.

A Nature tem uma página especial onde os artigos relacionados a descoberta da estrutura do DNA estão disponíveis para download. Lembrando que o conteúdo está em inglês.

Com o apoio de várias pessoas, a descoberta da estrutura do DNA criou um novo marco na história na Biologia e da própria Ciência. Obviamente esse evento merece estar nos registros da história da Ciência.

Informações extras:
[1]: essa postagem foi publicada em 2013 no blog. Apenas um lembrete para futuros leitores que acessarem essa postagem.

[2]: veja o artigo original sobre a estrutura do DNA, aqui (em .pdf).

[3]: Franklin, por ser mulher, nunca foi respeitada no mesmo pé de igualdade do que um outro cientista. Desentendimentos por parte dela com Wilkins e Gosling surgiram meses depois de ela ter entrado no laboratório. Boa parte desse desentendimento surgiu pelo fato de Wilkins e Gosling terem achado que ela seria uma assistente ao passo que Rosalind pensou em trabalhar sozinha.

[4]: Wilkins disse, posteriormente em seu livro, que não tinha percebido que o grupo científico era informal e que não sabia ao certo de porque ter recusado o convite.

Com informações de:
ÁRIAS, G. Em 1953 foi descoberta a estrutura do DNA. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2004. 22 p. html. (Embrapa Trigo. Documentos Online; 44). Disponível em: <http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/do/p_do44.htm>. Acessado em: 24 mar. 2013.
WATSON, J. D., CRICK, F. H. C. A structure for Deoxyribose Nucleic Acid. Nature, n. 4356, p. 737-738, 1953. 
Com imagens de:

Watson e Crick visto aqui. De Rosalind Franklin visto aqui. Da foto 51, aqui. Edição da imagem que abre a postagem feita por mim, protegida por CC. Veja mais informações sobre as imagens usadas na série Arquivo Scientia na página especial da série aqui no blog.

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