O Inferno da superpopulação
Será que o mundo não aguenta mais tanta gente? Imagem feita no estado de Himachal Pradesh, na Índia. |
A população da Terra, nesse momento em que escrevo, está estimada em 7.096.646.193 pessoas. Muito provavelmente esse número estará muito diferente no momento em que você estiver lendo esse texto[1].
É fato: o sexo é uma coisa em que os humanos são especialistas. É através dele que novos indivíduos surgem no já farto mundo de gente. Para mostrar que somos craques em reprodução, o gráfico abaixo é bem ilustrativo.
Gráfico plotado pelo Wolfram|Alpha a partir de dados da população humana desde a Revolução Agrícola até os dias atuais. Note a ascensão acentuada no número de pessoas próximo do ano 2000. |
O gráfico ajuda a ilustrar o todo, mas é preciso de mais algumas informações para entendê-lo melhor. Os primeiros bilhões de pessoas na Terra surgiram pouco mais de 200 anos. O primeiro bilhão de pessoas foi registrado, de acordo com o Wikipedia, em 1804. O segundo bilhão apareceu 123 anos depois, em 1927. Mais de 30 anos depois, o terceiro bilhão apareceu, em 1960. Depois disso, um bilhão de pessoas foram adicionadas à Terra em um intervalo mais ou menos regular, por volta de 13 anos cada: em 1974, 1987, 1999 e 2011.
Agora observe o gráfico abaixo, que ilustra as etapas do crescimento microbiano sem renovação do meio de cultura[2].
A curva do crescimento bacteriano tradicional é dividido em quatro fases: a fase lag (a primeira, da esquerda para direita), é caracterizado pelo período de tempo em que o crescimento é praticamente igual à morte. Essa fase é caracterizada pela adaptação do organismo ao meio onde vive. Após esse período, temos a fae exponencial, onde os organismos da população começam a se reproduzir e se multiplicar muitíssimo mais que a taxa de morte na mesma população. Com isso, o número da população cresce. Entretanto, os recursos do meio começam a faltar para uma população tão numerosa. Na fase estacionária o número de nascimentos e mortes se igualam novamente, assim como na primeira fase, com a diferença no tamanho populacional entre as duas fases. Só que, se os recursos do meio não forem repostos, o que acontece será a fase seguinte. Os recursos do meio não são mais suficientes para sustentar a população numerosa e o número de mortes supera o número de nascimentos. Se os recursos não forem rapidamente repostos, a população (no caso de microrganismos) corre o risco de desaparecer por completo do meio de cultura.
Pois bem... é nítido que, quando vemos o gráfico do crescimento humano, a população parece estar no ritmo de mais nascimentos do que mortes. Tanto, que só nos Estados Unidos, nasce uma pessoa a cada 8 segundos, quanto uma pessoa morre a cada 12 segundos. Será que estamos no mesmo padrão de crescimento bacteriano? Será que, em breve, sairemos do crescimento exponencial para entrarmos na fase estacionária? E depois disso?
Essas perguntas foram surgindo em minha cabeça a medida em que lia o novo livro do Dan Brown, "Inferno" (capa ao lado). Dan Brown recruta seu simbologista experiente para tentar evitar que uma catástrofe que envolverá toda a humanidade. Desvendando obras relacionadas ao épico poema de Dante Alighieri, a "Divina Comédia", Robert Langdon se vê numa busca, que para ele, desconhecida em boa parte do livro.
Entretanto, a parte que mais chama atenção (pelo menos para mim) é a obsessão por um dos personagens em mostrar que a população da Terra está em um número acima da capacidade da Terra em fornecer recursos. Acredito que, para esse personagem, a Terra seria como uma placa dentro de um laboratório cheio de meio de cultura e que a população humana estaria consumindo esses recursos de forma desenfreada. Em um dado momento, a quantidade de recursos não será suficiente para a população da Terra, e mortes e mais mortes irão acontecer.
Entretanto, esse personagem se inspira em Dante para construir o que será do futuro da humanidade caso nada seja feito: as ruas pútridas, com corpos espalhados pelo chão, envoltos pelas próprias fezes e sangue. O personagem em questão, por exemplo, usa uma das representações mais clássicas de uma das partes da Divina Comédia para mostrar o que poderemos ver no futuro caso o presente não seja alterado. O "Mapa do Inferno" é um desenho feito por Sandro Botticelli. Além de uma espécie de previsão, Langdon o usa como partida de sua busca.
O Mapa do Inferno, de Botticelli, ilustrando os nove degraus do Inferno, de Alighieri. Uma versão maior do mapa pode ser visto aqui. |
Reconheço que o texto foi muito bem escrito e que ele - pelo menos para mim - prende o leitor em busca de entender o que acontece, viajando pelo Velho Mundo. Entretanto, acho que aqui cabe algumas coisas que julguei interessante compartilhar com vocês que pretender ler (ou já leram).
Embora em nenhum momento ele tenha feito a relação entre humanos crescendo na Terra e bactérias crescendo em uma placa, é tentador pensar nessa ideia. Mas há uma coisa que nos diferencia de uma bactéria de modo muito especial: mesmo nós não sendo autótrofos, nós produzimos nosso alimento. Fazemos isso há 12 mil anos atrás. Boa parte do sucesso científico e tecnológico que sustentam o mundo moderno surgiu aí, no momento em que paramos de sair correndo atrás de comida e simplesmente coletar a comida ao lado da moradia. A Terra não pode ser considerada uma placa de petri que não recebe nada de fora pois temos temos uma pequena estrela (sim, realmente ela é bem pequena comparada com as outras), o Sol, que fornece energia em forma de radiação eletromagnética.
O livro cita, por exemplo, que as ações de planejamento familiar não dão certo (tanto que o mundo não para de ter gente). Mas acredito que o grande problema seja o descaso público com a educação (que aflige principalmente países e áreas pobres). Regiões do globo onde o nível de educação entre a população é mais elevada, como na Europa, a taxa de fecundidade[3] está abaixo do chamado 'nível de reposição', que é de dois filhos por mulher, ficando por volta de 1,57 filho por mulher. Em alguns países, principalmente os Escandinavos, o governo fornece ajuda financeira para casais que tiverem mais de um filho.
Além disso, é sabido que algumas populações controlam a taxa de fecundidade frente a limitações e pressões do meio. Dados da fertilidade norte-americana ilustra bem esse controle. Antes da 2ª Guerra Mundial, a taxa de fecundidade era, em média, 2,2 filhos por mulher (entre os períodos de 1930-1944). A taxa, para a época, é relativamente baixa. Isso pode ser explicado pela grande crise americana (e mundial) que ocorreu com a famosa Queda de 29 (um ano antes desses dados). Entretanto, após a 2ª Guerra, a taxa de fecundidade subiu para 3,35 filhos por mulher (período de 1944-1964). As expectativas de novas oportunidades e a realização do 'sonho americano' embalaram o pessoal para a explosão demográfica. Sim, você conhece essa época como baby boom. Graças a esse aumento de fecundidade por mulher não só nos EUA, mas no mundo, a Terra viu, desde a 2ª Guerra até hoje, receber mais de 4 bilhões de pessoas.
Embora para o enredo da história seja importante criar um pânico sobre a Terra não aguentar tanta gente, acredito que não devemos sair se descabelando por aí por causa disso. Devemos nos preocupar com outros efeitos mais importantes da superpopulação, como a propagação de doenças por exemplo (lembra do H1N1, que em poucos meses estava em todos os continentes?). Não estou dizendo que devemos deixar essa questão de lado. A questão deve ser vista com muito cuidado, já que um dos problemas é a Terra não conseguir suprir toda a população ao mesmo tempo, seja de água ou alimento ou, pior, não ter mais espaço para todas essas pessoas morarem. Obviamente destruir a natureza não me parece uma boa opção. Mas também parar de curar as pessoas de doenças para que elas morram e assim diminua o número de pessoas é uma ideia pior ainda.
Acho que precisamos de mais cabeças para pensar nesse assunto. Deixar esse assunto para meia dúzia de pessoas pensarem no futuro de mais de sete bilhões de indivíduos, com certeza não é uma boa ideia.
Atualizações:
[dia 14/07/13]: o blogueiro Renato Pincelli compartilhou na página no Facebook 'Hypercubic' um infográfico interativo em que é permitido ao usuário saber, aproximadamente, qual o seu número no mundo. Descobri que sou a pessoa número 5.229.578.946 a nascer no mundo. E você? Acesse essa aplicação da BBC. O site esta em inglês, mas nada muito complexo. Clique aqui! =D
Informações extras:
[dia 14/07/13]: o blogueiro Renato Pincelli compartilhou na página no Facebook 'Hypercubic' um infográfico interativo em que é permitido ao usuário saber, aproximadamente, qual o seu número no mundo. Descobri que sou a pessoa número 5.229.578.946 a nascer no mundo. E você? Acesse essa aplicação da BBC. O site esta em inglês, mas nada muito complexo. Clique aqui! =D
Informações extras:
[1]: a estimativa da população da Terra é feito pelo United States Census Bureau e considera dados desde 1950 até projeções para 2050. Para ter uma ideia de quantas pessoas a mais o planeta está tendo que dar conta, no momento em que finalizei o texto (esse trecho realmente foi a última coisa que escrevi), a população tinha saltado de 7.096.646.193 pessoas (que citei no início do texto) para 7.096.696.623. Obviamente o número terá mudado novamente. Para saber qual a estimativa de pessoas na Terra nesse momento, acesse o site do Censo americano.
[2]: é possível inúmeras gerações de microrganismos serem mantidas vivas em laboratório desde que o meio onde elas vivem seja sempre renovado. O meio de cultura é um preparado que possui nutrientes e compostos que permitem os microrganismos se desenvolverem e crescerem. Cada tipo de microrganismo vive melhor em um meio de cultura específico. Os microbiologistas tem a disposição inúmeros tipos de meios de cultura - tanto de crescimento como seletivos (ou seja, que permite ao cientista saber algumas características do microrganismo pelo simples fato de ele usar o meio de cultura. Por exemplo, algumas bactérias conseguem usar a lactose como uma fonte de energia. Alguns meios de cultura possuem lactose na composição. Se os microrganismos utilizam essa lactose, o meio de cultura poderá informar ao pesquisador desse fato ao mudar de cor. Em um exame laboratorial isso se torna muito importante pelo fato de direcionar o pesquisador a alguns microrganismos conhecidamente usuários de lactose em detrimento de outros que não usam a lactose como fonte de energia.
[3]: a taxa de fecundidade é a quantidade de filhos que uma mulher terá, em média, durante todo o seu ciclo reprodutivo (que é entre 15 a 49 anos).
Com informações de US Census Bureau; Wikipedia; Wolfram|Alpha; Publico Portugal; Wikipedia. A imagem que abre a postagem é de *poraschaudhary em seu deviantART (informações na legenda da foto fornecida pelo fotógrafo). Gráfico de crescimento microbiano visto aqui. Capa de 'Inferno', aqui. Mapa do Inferno visto em Wikimedia (link abaixo da imagem).
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