O latim nosso de cada dia - post 2 de 3

Trecho do livro de Números (mais precisamente o capítulo 1, versículos 24 a 26) de uma Bíblia escrita
em latim de 1407. Foi escrita à mão por Gerard Brils para ser lida em voz alta em um monastério.

Para quem perdeu a postagem anterior, clique aqui.

Após sabermos quem é o latim e sua relação conosco (em relação ao português), eu disse que iria apresentar um pequeno dicionário explicando alguns termos em latim que são usados nas ciências.

"Mas querido e lindo Wesley, por que os cientistas usam o latim na ciência? Isso é alguma frescura de brasileiro?"

Boa pergunta, nobre leitor. Primeiramente, o uso do latim não é nenhuma 'frescura' por parte dos cientistas brasileiros. O mundo todo usa o latim para se expressar. Isso é muito útil quando cientistas de diversas partes do mundo querem conversar sobre algo. Embora ambos possam usar um idioma em consenso (um brasileiro e um alemão podem usar o inglês para se comunicar, por exemplo), o uso de um idioma além do falado por eles (inglês, português e alemão) evita problemas relacionados a, por exemplo, estarem falando de uma mesma espécie (digamos de um animal) por palavras diferentes. Eles podem acabar achando que estão falando de espécies totalmente distintas quanto, na realidade, se trata da mesma espécie.

Somente pelo fato de não darmos preferência para um idioma atual em catalogar e identificar espécies, o uso de um idioma neutro permite evitar confusões como citadas acima, o que o faz ser extremamente útil na ciência. E, de tão útil, ele faz parte de muitas palavras usadas na ciências. Irei apresentar algumas aqui e, na parte de identificação de espécies, irei apresentar brevemente como se deve falar o latim.

Antes de tudo
Quem lê livros com certa frequência deve ter percebido que, exceto em casos em que o personagem está pensando ou coisa do tipo, algumas palavras aparecem em itálico. Essas palavras, em sua grande maioria, são palavras estrangeiras, ou seja, aquelas que não pertencem originalmente ao nosso idioma. Veja o exemplo que achei em um livro que encontrei em visita a casa dos pais de minha namorada:

"Enfim, saber que tal autor me autorizava a telefonar-lhe pessoalmente causou-me um certo frisson."
"(...) repleta de esconderijos onde o mar verdeja, cravejada de resorts de luxo, é frequentada por pequenas multidões de turistas e de grã-finos, (...)"
(Pai Patrão & Recanto, de Gavino Ledda).
É nítido que as palavras em itálico não são originais da língua portuguesa. De fato, algumas palavras estrangeiras acabaram sendo incorporadas em nosso idioma por não terem uma versão "aportuguesada" da mesma ou por não haver um equivalente que possa substituir. Basta pensar em palavras como 'show', 'blog', 'nécessaire', 'lingerie', 'CD (de compact disc)', entre outras.

Já as palavras em latim usadas na ciência seguem a mesma ideia: por serem estrangeiras, elas devem ser grafadas de forma diferente do texto corrente. Se estamos no computador, deixamos a palavra em itálico. Se estamos escrevendo à mão, podemos fazer um sublinhado na palavra em latim. Isso é o suficiente para a distinguir do resto do texto.

Agora, na próxima vez que for escrever alguma palavra estrangeira, principalmente no meio acadêmico, lembre-se de grafar a palavra diferentemente do restante do texto. Capisci?

In vitro, in situ, in silico...
Técnica de fertilização in vitro.
Vamos aos mais comuns que, às vezes, dão as caras na mídia. Por último, os menos comuns, muitas vezes, restrito a artigos científicos. Existem muitas expressões em latim e resolvi me concentrar nos mais comuns. 
  • In vitro: quem nunca ouviu falar em 'técnica de fertilização in vitro? A palavra faz uma referência ao vidro, usado comumente em laboratórios. Ao dizermos que foi feito in vitro, significa que o procedimento foi realizado em laboratório.
  • In vivo: já quando o procedimento é feito in vivo, significa que foi usado algum tecido ou algum organismo (planta ou animal) para realizar tal experimento. Testes de medicamentos são feitos in vivo.
  • In loco: quando o pesquisador precisa ir ao local para uma coleta de sangue de um animal de interesse, dizemos que a coleta foi in loco, em um lugar específico. Veja o termo abaixo para mais detalhes.
  • In situ: muitas pessoas a utilizam com o mesmo sentido de in loco que, por ser mais parecida com seu significado em português (no lugar), tem uma aceitabilidade melhor que a expressão in situ. Mas, em minhas leituras, parece que há uma pequena diferença: enquanto in loco se refere ao um estudo em lugar natural, o in situ, se refere a um trabalho local, mas artificial, como um meio de cultura.
  • In natura: dizemos/usamos essa expressão para designar algo que não foi processado, que está puro. Por exemplo, posso dizer que tomei um copo de leite in natura, ou seja, sem processamento industrial.
  • In silico: alguns procedimentos experimentais não são mais feitos in vitro e nem in vivo, mas sim in silico, ou seja, feitos no computador. Como a cabeça pensante e que irá rodar as simulações é o processador (e ele é feito de silício), nada mais sensato que apontar para quem lê que o experimento foi feito no computador, ou seja, in silico.
  • Campus: quem é universitário fala esse termo de tempos em tempos. A palavra campus representa o espaço físico de uma universidade, seus terrenos e prédios. Uma nota importante é que campus está no singular. Se você quer falar sobre mais de um campus, usamos a palavra campi. Por exemplo: o campus da USP de Bauru é  menor quando comparado aos campi de Ribeirão Preto ou São Paulo.
  • Et al.: muito usado em textos científicos, a expressão é uma forma reduzida de et alli e significa 'e outros'. Quando diversos cientistas trabalham juntos na elaboração de um artigo, dizemos que eles são os colaboradores do mesmo. Uma forma de apontar, em um artigo, que o cientista não trabalhou sozinho, é dizer o nome do autor principal, seguido de et al. (por exemplo, PIRAJÁ et al., 2013), onde os números é o ano de publicação do trabalho).
  • Apud: é usado, principalmente no Brasil, para indicar que o que você citou no trabalho foi baseado na citação de outro trabalho, que muitas vezes você não tem acesso. O apud geralmente é substituído por in em trabalhos acadêmicos, já que tem o mesmo efeito.

Você conhece ou já viu algum outro termo em latim que considera importante e sentiu falta na lista acima? Comente aqui, na página do blog no Facebook ou no Google+. As sugestões serão adicionadas em forma de atualizações aqui nessa postagem.

Na semana que vem, a última postagem da série, onde iremos ver um pouquinho sobre a nomenclatura científica e como pronunciar alguns termos que surgem no meio do caminho. Até a próxima.

Imagem que abre a postagem aqui. Imagem da fertilização in vitro aqui.

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