Bactéria diminui tumor em humanos e cães

Pesquisas atuais estão retomando ideias para o tratamento de câncer de mais de 200 anos. E os resultados são surpreendentes, não apenas para nós humanos.

Texto original por Mitch Leslie para Science.
Traduzido por Wesley Santos para o blog Do Nano ao Macro


Uma seringa cheia de bactérias nocivas parece ser a última coisa que pacientes com câncer precisam. Mas um novo estudo em cães com câncer, e até mesmo um paciente humano, mostrou que injetando uma determinada bactéria diretamente nos tumores podem diminuir ou até mesmo os eliminar. Os resultados respaldam os casos usando bactérias para tratar o câncer, uma abordagem que o pobre desempenho em alguns ensaios clínicos, poderá funcionar.

Médicos perceberam primeiramente que infecções bacterianas podem, algumas vezes, diminuir ou mesmo erradicar tumores há mais de 200 anos. William Coley, um cirurgião da cidade de Nova York, foi o primeiro a testar essa ideia. Na década de 1890, ele injetou Streptococcus em pacientes com câncer para combater os tumores. Depois que dois dos que receberam as bactérias morreram de infecção, ele mudou a administração para bactérias mortas e acabou tratando mais de 1000 pacientes com a tão chamada toxina Coley. O cirurgião injetava às vezes no tumor às vezes na corrente sanguínea e muitos de seus pacientes sobreviveram. Mas tratamentos como radioterapia, quimioterapia, acabaram colocando a abordagem de Coley nos livros de história. Ainda, uma reanálise feita em 1999 de alguns de seus casos tinha taxa de sucesso semelhante dos tratamentos modernos.

Tentativas recentes para reviver o tratamento de câncer com bactérias têm sofrido obstáculos. Por exemplo, um teste clínico com pacientes que receberam doses intravenosas de Salmonella atenuado (enfraquecido) mostrou que o tratamento era seguro, mas teve pouco impacto no tumor. Por mais de uma década, o geneticista especialista em câncer Bert Vogelstein do Johns Hopkins University, nos EUA, e seus colegas investigaram uma bactéria diferente, que vive no solo, chamado de Clostridium novyi, uma parente da bactéria causadora do botulismo. O oxigênio é escasso dentro dos tumores, e essa bactéria “ama regiões de baixa oxigenação”, disse Saurabh Saha, especialista em câncer do BioMed Valley Discoveries Inc em Kansas e co-autor do estudo, que apareceu hoje [dia 13/08/2014] no Science Translational Medicine. “Elas crescem e se dividem e matam as células cancerígenas”, disse Saha. Os pesquisadores hipotetizaram que a bactéria libera enzimas que destroem as células tumorais, se alimentando dos restos da destruição celular.

Injetando esporos das bactérias em tumores cerebrais de ratos acabou estendendo a sobrevivência desses animais. Entretanto, testes que funcionam bem em roedores possuem um mau hábito de falhar em humanos, então os pesquisadores testaram essa bactéria em animais que mais se assemelham com os humanos com tumor. Então eles escolheram os cães. Como os humanos, os cães são mais geneticamente diversos que os roedores. E assim como os humanos, os tumores caninos surgem espontaneamente, ao contrário dos tumores induzidos nos camundongos de laboratório.

Saha e colegas injetaram esporos de C. novyi  nos tumores de 16 pets os quais os donos já não tinha mais esperança de tratamento. Em seis desses animais, o tumor diminuiu ou desapareceu, e o tumor parou decrescer em cinco outros animais. Alguns cães precisaram de cirurgia para remover as feridas causadas pela desintegração do tumor.

Seguros com os resultados desses animais estudados, os cientistas começaram um teste seguro para tratamento de pessoas. A primeira pessoa que recebeu as bactérias foi uma mulher com tumor abdominal que sofreu metástase para várias partes do corpo, incluindo o ombro direito. Embora os pesquisadores injetaram menos que 1% da dose bacteriano que foi aplicado nos cães que tinham metástase no ombro, o crescimento começou a diminuir. Entretanto, o tratamento estimulou um efeito colateral pouco comum. O tumor invadiu o úmero, o osso do braço e serviu de apoio físico. As destruições das células cancerígenas acabaram quebrando o osso, que precisou de cirurgia para corrigir o problema. Eventualmente, a paciente morreu de outras metástases.

As bactérias não apenas destruíram as células tumorais mas também estimularam o sistema imune a atacar o câncer, como os pesquisadores já haviam mostrado. E como as bactérias sobrevivem apenas em ambiente de pouco oxigênio de um tumor, o tratamento é específico, disse Saha. “Eles distinguem as células tumorais das normais”. Os pesquisadores planejam continuar com seus testes de segurança e querem determinar quais tipos de cânceres responderá a terapia bacteriana, ele disse.

Saha e seus colegas alteraram a bactéria geneticamente para ser menos perigosa para as pessoas, e os micróbios morrem em contato com o oxigênio, que acaba limitando sua capacidade de multiplicação. No entanto, alguns cães e a mulher no teste receberam antibióticos, e os médicos e cuidadores usaram medidas padrões anti-infecção, como vestimentas protetivas e luvas.

O estudo é significativo, pois fornece “provas de um conceito que esta abordagem particular tem uma atividade antitumoral em ‘tumores reais’” em vez de apenas em tumores induzidos em roedores, disse Douglas Thamm, um biólogo e veterinário oncologista do Colorado State University’s Flint Animal Cancer Center. Médicos talvez precisam emparelhar esse tratamento com outras terapias, como radioterapia, ara limpar qualquer célula tumoral que escapou das bactérias, ele disse.

“É um artigo muito bom e muito importante”, adiciona o biólogo especialista em câncer Robert Hoffman do AntiCancer Inc., uma empresa de biotecnologia da Califórnia. Ele e seus colegas mostraram que uma cepa diferente de Salmonella da usada em ensaios clínicos anteriores poderia erradicar vários tipos de tumores em camundongos, mas eles não conduziram nenhum estudo em pacientes humanos.

Uma preocupação com a nova abordagem é que a maioria dos pacientes com câncer não morrem devido ao tumor original, mas por metástase. Thamm e Hoffman preocupam-se ao injetar C. novyi diretamente no tumor pois deixaria as mortais células de metástase intocadas. “Se a terapia bacteriana vai ser amplamente disponível e eficaz, tem que ter como alvo a doença na metástase”, disse Hoffman.

Veja o texto original publicado na Science, clicando aqui.

Imagem por claytes em seu deviantART.

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