Mosaicismo: a herança de risco em ter mais de um conjunto de DNA

Carl Zimmer apresenta um texto contando um pouco mais sobre o mosaicismo, uma interessante condição genética em que pais, sem querer, pode acabar comprometendo seus filhos.

Texto original por Carl Zimmer para o The New York Times.
Traduzido por Wesley Santos para o blog Do Nano ao Macro

Mosaico romano de Ulisses da Odisseia de Homero. Mosaico originalmente em Cartago.

A família parecia desafiar as regras da genética.

Quando Meriel M. McEntagart, uma geneticista do St. George’s University de Londres encontrou a família em maio de 2012, ela suspeitou que três das crianças tivesse uma doença genética rara conhecida como ‘síndrome de Smith-Magenis’. Eles apresentavam muitos dos sintomas da doença, como dificuldade em dormir a noite. A Dra. McEntagart confirmou o diagnóstico por meio de um teste genético. As crianças tinham perdido um trecho idêntico do gene conhecido como RAI1.

Uma das crianças tinha um pai diferente das outras duas; portanto, a mãe poderia ser a fonte desse gene alterado. Entretanto, quando a Dra. McEntagart fez um exame de sangue da mãe, o resultado foi simples e claro: a mãe tinha a versão normal do RAI1.

Dra. McEntagart e colegas suspeitaram, portanto, que a resposta para esse enigma era que a mãe fosse um mosaico genético.

Nós tendemos a pensar em nós mesmos como tendo somente um conjunto de material genético, que existem de forma idêntica em todas as células do corpo. Mas, algumas vezes, pessoas podem ter dois ou mais genomas significativamente diferentes. Como nossas células dividem, algumas podem passar por uma mutação importante. Por isso, alguns indivíduos acabam tendo grupos de células  que são muito diferentes do DNA do resto do corpo.

Os cientistas já sabem há tempo que variações genéticas em diferentes grupos de células da pele podem
causar padrões visíveis no corpo. Mas pesquisadores encontraram agora que variações genéticas
e até mesmo múltiplos genomas em uma mesma pessoa são mais comuns que se pensava.

Dra. McEntagart disse que ela suspeitou que a mãe tivesse uma versão normal do RAI1 em algumas células e uma versão alterada em outras células, incluindo em seus ovócitos.

“Nós queríamos saber se havia uma maneira de demonstrar que ela era um mosaico”, disse Dra. McEntagart.

A Doutora ficou sabendo que pesquisadores do Baylor College of Medicine em Houston, EUA, desenvolveram um novo método para identificar mosaicos e eles confirmaram que a mãe das três crianças era, de fato, um mosaico. Algumas de suas células estavam com a mutação para a síndrome de Smith-Magenis.

Cientistas conhecem o mosaicismo há décadas, mas comumente são estudos caso a caso. Como resultado, tem sido difícil dizer se o tipo de mosaicismo a Dra. McEntagart encontrou foi ao acaso ou se era comum o suficiente para ser clinicamente importante.

No estudo divulgado na quinta [dia 31 de julho] no American Journal of Human Genetics, o grupo do Baylor College of Medicine descreveram uma enorme busca de casos de pais mosaicos que passaram mutações que acabaram causando doenças em seus filhos. E mostraram que passa longe de mero acaso.

“Isso acontece uma quantidade surpreendente de vezes”, disse Chad A. Shaw, co-autor do novo estudo.

Michael Snyder, geneticista do Stanford University e não está envolvido com o estudo, disse que o estudo mostra que o mosaicismo tem um efeito significativo não apenas na saúde das pessoas com mosaicismo, mas em seus filhos também. “Teremos de estar atento a esse tipo de acontecimento”, ele diz. 

A fim de resolver o mistério do Smith-Mageris, Dr.Shaw e seus colegas crianram um sensível teste que poderia distinguir entre as células normais do sangue e células com gene RAI1 alterado.

Primeiramente, eles examinaram o DNA das três crianças e determinaram a sequência precisa de DNA em torno do trecho perdido do gene RAI1. Então eles olharam para a mesma sequência nas células sanguíneas da mãe.

A maioria das células do sangue da mãe tinha a cópia intacta do gene RAI1, como encontrado pelos cientistas. Mas 25% das células tinham o mesmo trecho faltante do gene das crianças.

Os cientistas argumentam que há apenas um jeito de explicar esse estranho resultado: a mãe se tornou um mosaico quando ela era apenas uma bolinha de células em seu período embrionário.

Quando as células se dividiam, uma delas perdeu parte do gene RAI1. Essa mutação foi passada adiante nas gerações de células seguintes. Posteriormente, as mudanças embriológicas fizeram de células idênticas em diferentes tecidos. Como resultado, uma linha de células com defeito no gene RAI1 deu origem a alguns ovócitos da mãe, algumas em suas células sanguíneas e, quem sabe, algumas em outros tecidos também.

Tendo desenvolvido esse método para detectar pais mosaicos, os cientistas decidiram conduzir um grande estudo para ver o quão comum o mosaicismo é. Eles começaram a procurar por famílias dispostas em participar. Cada família tinha que ter uma criança com doença genética causada por deleção de algum trecho de DNA. E eles tinham que ter um teste genético padrão que tivesse falhado em encontrar a deleção no gene de ambos os pais.

Os cientistas puderam estudar 100 famílias. Eles procuraram casos em que os pais eram mosaicos e tivessem as mesmas mutações que seus filhos.

“Nós pensávamos que nesse estudo iríamos ter um ou dois casos; se tivéssemos sorte”, disse Ian M. Campbell, o autor principal do estudo. “E nós encontramos quatro”.

Campbell e seus colegas ficaram surpresos com o achado de muitos pais mosaicos. E eles ainda suspeitam que o número de mosaicos entre os 100 analisados seja maior ainda. Já que o método do grupo permite detectar apenas deleções genéticas, mas outros tipos de mutações podem causar problemas genéticos.

James R. Lupski, outro co-autor do estudo, aponta uma segunda limitação para esse estudo. “Ele [o método] nos mostra apenas o que tem no sangue”, diz Lupski. Se os cientistas pudessem examinar músculos ou outros tecidos, eles poderiam ter encontrado mais células mosaicas.

O resultado mostra que algumas pessoas podem ter sérios problemas genéticos sem qualquer sintoma. Isso acontece pois elas possuem a versão com problema do gene em algumas células, e as outras células [normais] as compensam.

Mas essas pessoas são inconscientes para o risco de ter filhos com versões desenvolvidas dessas doenças, se essas mutações aparecerem nas células reprodutivas [dos pais]. Dr. Lupski disse que a medida que a tecnologia avança, geneticistas clínicos deveriam testar as pessoas para reduzir o risco. “Os casais vão querer saber algumas respostas”, ele finaliza.

Veja o texto original no The New York Times.

Imagem que abre a postagem visto aqui. Imagem que ilustra exemplos de mosaicismo é uma adaptação do original (retirado no mesmo lugar da matéria original).

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