Entendendo a origem da vida


O impacto de meteoros na Terra primitiva pode ter gerado cianeto de hidrogênio, que pode ter sido o pontapé inicial para a produção de biomoléculas que deram origem as primeiras células.

Robert F. Service para a Science.
Traduzido por Wesley Santos para o Do Nano ao Macro.

A origem da vida na Terra é cheia de paradoxos. Para que a vida estar onde está, ela preciso ter moléculas genéticas – parecido com o RNA ou DNA atuais – capazes de passar os esquemas para fazer as proteínas, as moléculas responsáveis pela vida. Mas as células modernas não são capazes de copiar DNA e RNA sem a ajuda das próprias proteínas[1]. Para deixar as coisas ainda mais difíceis, nenhuma dessas moléculas conseguem trabalhar sem moléculas de gordura (lipídeos), que constituem as membranas das células necessários para encerrar todo esse conteúdo no interior da célula. Chegando a ser mais complicado que o velho dilema do “quem veio primeiro: o ovo ou a galinha?”, as enzimas[2] (que são fabricadas a partir das informações do DNA) são necessárias para a síntese de lipídeos.

Agora os pesquisadores acreditam terem resolvido esse paradoxo. Químicos reportaram no meio de março de 2015 que um par de um simples composto químico, que teria sido abundante na Terra primitiva, pode dar origem a uma rede de reações simples que produziriam os três principais grupos de biomoléculas – os ácidos nucleicos[3], aminoácidos[4] e os lipídeos – necessários para as formas primitivas de vida para o seu início. Embora o trabalho não prove que foi assim como a vida começou, ele poderá ajudar a esclarecer um dos mais profundos mistérios da ciência moderna.

“É um artigo muito importante”, diz Jack Szostak, um biólogo molecular e pesquisador da origem da vida no Massachusetts General Hospital em Boston, que não participou da pesquisa em questão. “Propõe-se, pela primeira vez, um cenário pelo qual todos os blocos de construção essenciais para a vida poderiam ser montados em um mesmo ambiente geológico.”

Cientistas tem aclamado seus cenários favoritos para a o conjunto de biomoléculas que formariam a vida. Os proponentes do “Mundo de RNA”, por exemplo, sugerem que o RNA teria sido o pioneiro; não apenas pela sua capacidade de carregar a informação genética, mas também de servir como catalizador de algumas reações químicas, semelhante a enzimas, acelerando essas reações. Já os proponentes da Hipótese Metabólica dizem que um simples metal catalizador, oposto a uma complexa molécula enzimática, pode ter criado uma sopa orgânica de blocos construtores que pode ter levado a outras biomoléculas.

A hipótese do Mundo de RNA ganhou um grande avanço em 2009. Químicos liderados por John Sutherland da Universidade de Cambridge no Reino Unido reportaram na época que eles tinham descoberto que os relativamente simples compostos químicos acetileno e formaldeído podem sofrer uma sequência de reações que produzem dois de quatro nucleotídeos de RNA, mostrando uma rota plausível para a formação de RNA por conta própria – sem a necessidade de enzimas – na sopa primordial. Críticos apontaram na época que o acetileno e o formaldeído são ainda moléculas um tanto complexas. Era preciso saber também de onde elas teriam vindo.

Para o estudo atual, Sutherland e seus colegas resolveram trabalhar voltando a partir desses compostos químicos para encontrar uma rota para o RNA a partir de compostos simples. E conseguiram. Na edição de março de Nature Chemistry, o grupo de Sutherland relatou a criação de precursores de ácidos nucleicos a partir de cianeto de hidrogênio (HCN), sulfeto de hidrogênio (H2S) e luz ultravioleta (UV). E mais, disse Sutherland, as condições que produzem os precursores de ácidos nucleicos podem também criar os materiais que dão início a fabricação de aminoácidos e lipídeos naturalmente. Isso sugere um que um simples conjunto de reações podem ter dado origem aos blocos construtores da vida de forma simultânea.

O grupo de pesquisa argumenta que a Terra primitiva teve uma condição favorável para essas reações. HCN é abundante em cometa, que caíram no planeta constantemente nas primeiras centenas de milhões de anos na história da Terra. O impacto poderia produzir energia suficiente para sintetizar HCN a partir do hidrogênio, carbono e nitrogênio. Da mesma forma, H2S pode ter sido comum na Terra primitiva, bem como a radiação ultravioleta que teria direcionado essas reações e os sais minerais nas rochas serviriam de catalizador dessas reações.

Sutherland adverte que as reações que teria feito cada um dos blocos construtores são diferentes o suficiente um dos outros – requerendo diferentes metais catalizadores, por exemplo – que provavelmente não teria ocorrido todos no mesmo lugar. Em vez disso, de acordo com ele, pequenas variações na química e energia poderiam ter favorecido a criação de um dos blocos construtores em detrimento de outro, como os aminoácidos ou lipídeos, em diferentes locais. “A água da chuva poderia ter lavado esses componentes em uma ‘piscina’ comum”, disse Dave Deamer, um pesquisador da origem da vida da Universidade da Califórnia, que não está participando dessa pesquisa.

A vida poderia ter começado nessa piscina comum? Esse detalhe quase certamente foi perdido para sempre na história. Mas a ideia e a ‘plausibilidade química’ por trás disso faz valer a pena a reflexão sobre o assunto, mesmo que cuidadosa, diz Deamer. Szostak concorda com ele. “Esse cenário geral levanta muitas perguntas e estou certo que esse assunto será debatido por um bom tempo”.

A matéria original pode ser acessada aqui.

Rodapé:
[1]: enquanto escrevia a tradução e li esse trecho lembrei-me, durante o primeiro ano de graduação, que fiquei encafifado com a ideia de que o DNA tem a receita de fazer proteínas mas, ao mesmo tempo, ela precisa de proteínas já existentes para que a informação nela contida possa ser lida para produzir... novas proteínas. Quando, ao fim da aula, perguntei para a professora da disciplina de biologia molecular sobre isso, ela olhou para mim e disse: Pois é, viu que coisa complicada!

[2]: podemos ver as enzimas como ‘proteínas ativas’. Elas aceleram as reações metabólicas no interior das células, permitindo a quebra ou ligação entre moléculas diferentes. As moléculas que são trabalhadas pelas enzimas se ligam a ela graças a um sítio de ligação (presente na enzima). Um exemplo básico é a lactase, uma enzima presente no suco gástrico no estômago. Essa enzima quebra o açúcar lactose (presente no leite) em duas moléculas menores de açúcar: a glicose e a galactose (assim as células do corpo conseguem usar esse açúcar menor do que a molécula grande). Pessoas que não produzem a enzima lactase não conseguem quebrar a lactose, gerando intolerância a esse açúcar.

[3]: os ácidos nucleicos são grandes moléculas que formam o material genético. Elas são constituídos por um açúcar, um radical fosfato e uma base nitrogenada (as populares letras do DNA: A, C, G e T (ou U, quando RNA).

[4]: aminoácidos são moléculas orgânicas que servem de base para a construção de proteínas e enzimas. Existem 20 tipos de aminoácidos, alguns deles são produzidos no próprio organismo e outros são conseguidos através da ingestão de alimentos que os contém.

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