Acredite, você está dormindo o suficiente

Você provavelmente não dorme menos que nossos ancestrais.

Por Ann Gibbons para a Science.
Traduzido por Wesley Santos para o Do Nano ao Macro.


Ninguém dorme o suficiente no mundo atual. Esse lamento está sendo ouvido desde quando Thomas Edison inventou a lâmpada elétrica e jogou luz na noite. Mas parece ter ocorrido uma nova urgência, com o aparecimento de smartphones, computadores e e-readers (livros digitais) que acabam prejudicando nosso sono.

Um novo estudo de padrão do sono de adultos caçadores-coletores na África e América do Sul encontrou que eles não dormem mais do que pessoas de países industrializados – uma média de 6,9 a 8,5 horas por noite. Além disso, eles raramente tiram um cochilo durante o dia. Ainda assim esses adultos são saudáveis e não sentem privação de sono, de acordo com a publicação de outubro de 2015 da Current Biology. Essa impressionante uniformidade na duração do sono e hábitos de três vastos grupos na Bolívia, Tanzânia e África do Sul ataca muitos mitos sobreo quanto dormiam nossos ancestrais – e sobre o ‘ótimo’ dos humanos modernos, diz Jerome Siegel, autor principal do estudo e neurocientista da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Siegel tem estudado sobre o sono nos humanos e outros mamíferos por 40 anos.

Com a invenção da luz elétrica na década de 1870, seguido pelo desenvolvimento da televisão, da internet e de outros dispositivos tecnológicos, pesquisadores tem argumentado que a duração do sono tem sido encurtada quando comparado com os níveis ‘naturais’ desenvolvidos de nossos ancestrais caçadores-coletores. Na ausência de dados, alguns pesquisadores acreditavam que nossos ancestrais dormiam a partir do anoitecer até o raiar do sol no dia seguinte, tendo de duas a três horas a mais de sono que a média diária de pessoas dos países industrializados. Isso acabou resultando em médicos recomendarem que pessoas dormissem de 8 a 9 horas por noite, em média (a National Sleep Fundation, um órgão americano voltado para o sono, recomenda 7-9 horas de sono para adulto). Mas isso sempre incomodou Siegel. “Antes de dizermos às pessoas que elas precisam dormir mais, precisamos ter certeza se isso é verdadeiro”.

Siegel não pode voltar no tempo para ver quantas horas de sono nossos ancestrais dormiam, mas ele estudou padrões de sono de sociedades pré-industrializadas que vivem na América do Sul e África. Para encontrar o quanto dormiam por noite, ele usou um Actiwatch 2, um dispositivo similar a um relógio de pulso que mede padrões de sono e vigília (em que a pessoa está desperta), bem como a exposição à luz, registrando 24 horas por dia, por 28 dias em uma carga de energia. Trabalhando com um grupo internacional de antropólogos, Siegel e seus colegas colocaram esses aparelhos nos pulsos de 94 adultos de três grupos remotos – os forrageiros Tsimané, da Bolívia; os caçadores-coletores Hadza da Tanzânia e os San da Namíbia. Esses aparelhos coletaram 1165 dias de dados sobre o sono.

Quando Siegel e seus colegas analisaram os dados, os pesquisadores encontraram que o período de sono (período total deitados, o que inclui breves períodos de vigília) em todos os três grupos foi similar – cerca de 6,9 a 8,5 horas por noite, com períodos reais de sono de 5,7 a 7,2 horas por noite. A maioria dos grupos dormiam uma hora a mais no inverno. E esses grupos não iam dormir até 2,5 a 4,4 horas depois do pôr-do-sol, tendo pequenos cochilos somente quando as temperaturas caiam bastante. E eles acordavam pouco antes do amanhecer – exceto os San, que dormiam uma hora depois nascer do sol no verão – quando é mais fresco[1]. E eles não acordam no meio da noite para dormir em duas fases, como foi reportado em sociedades pré-industriais na Europa, disse Siegel. E eles também não reportaram insônia (eles nem mesmo tem uma palavra para insônia).

Acontece que as pessoas de todos os três grupos não dormiram mais que as pessoas de países industrializados. Um estudo de referência de 2002 com dados do American Cancer Society com mais de dois milhões de pessoas encontraram que a maioria dorme de 6,5 a 7,5 horas por noite, em média. “Essa é uma grande historinha de que os padrões de sono dos caçadores-coletores não são diferentes dos nossos [de sociedade industrializada]”, disse Herman Pontzer, coautor do estudo do Hunter College de New York, fisiologista evolutivo humano que trabalhou com os Hadza.

O grupo também aprendeu que baixas temperaturas talvez são tão importantes quanto as mudanças de luz para regular o sono, desde que essas pessoas foram para a cama bem depois do anoitecer e levantaram antes do nascer do sol. “Enquanto a luz é importante, a temperatura pode ser mais importante do ponto de vista evolutivo”, disse Siegel. Isso mostra que a sabedoria popular pode estar certa: para dormir melhor, desligue o termostato ou abra as janelas à noite.

A menos que você seja um adolescente que precisa de mais horas de sono para o crescimento cerebral[2], não é preciso mais de oito horas de sono por noite – a menos que sinta sono durante o dia. O pesquisador de sono Daniel Kripke da Universidade da Califórnia de San Diego, que não está envolvido na pesquisa, concorda. “Eu estou inclinado a acreditar que esse conto da carochinha de que as pessoas precisam dormir oito horas por noite é balela. ”

Veja o original (em inglês), publicado no site da Science, clicando aqui

Rodapé (notas de tradução):
[1]: embora pareça não fazer sentido em um país da África ter clima mais ameno no verão, a Namíbia na costa oeste da África e recebe correntes de ar frio vindos do sul pelo Oceano Atlântico, o que explica o clima mais frio, mesmo no inverno, no amanhecer. Entretanto, as temperaturas sobem rapidamente e mesmo no verão o clima se mostra mais seco.

[2]: mas não abusa dizendo para sua mãe que isso é cientificamente comprovado.

Imagem por severinearend em seu deviantART.

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