9 Meses - post 4

Depois de uma incrível viagem de dezenas de centímetros (imagine-se pequenos como
os espermatozoides, que possuem cerca de 2 µm de tamanho (cada 1mm tem 1000µm)), o
espermatozoide encontra o prêmio no fim do corredor: o ovócito pronto para ser
fecundado. Graças a esse momento, todos nós existimos.

União
Passos calmos. Uma porta é aberta sem fazer barulho. Por alguns segundos se observa nua no espelho pendurado logo à sua frente. Ana sabe que tem um corpo bonito. A roupa suja, que começa a fazer um certo volume na cesta, serve de lembrete para Ana colocar tudo aquilo no dia seguinte bem cedo na máquina de lavar. Poucos segundos depois, uma água fria começa a correr em seu corpo. O chuveiro ainda não havia esquentado a água na temperatura desejada. Embora evitasse ao máximo, já que desperdiçava uma certa quantidade de água, Ana vivia “filosofando” debaixo do chuveiro. Sabia que já haviam passados 14 dias desde quando começou a menstruar. Ela ficou imaginando o que deveria estar acontecendo em seu corpo naquele momento, enquanto tomava seu banho no fim de tarde. 

Ela se imaginou bem pequena, do tamanho para poder explorar o interior do corpo feminino. Se viu dentro de uma das tubas uterinas. Aos seus pés, as células epiteliais ciliadas davam a sensação de ela estar em um campo de grama alta. Esses cílios ajudam a levar o ovócito em direção ao útero. Lembrando disso, ela se vira para trás e leva um susto. Uma bola enorme vinha em sua direção, lembrando o filme ‘Os Caçadores da Arca Perdida’, onde Indiana Jones corre para escapar de ser esmagado por uma bola de pedra. 

Entretanto, essa bola grande estava vindo relativamente devagar, o que permitiu Ana vê-la com mais detalhes. Sabia que era o ovócito que ela muito bem conhecia desde a época de faculdade. Observou que o ovócito estava acompanhado por várias células foliculares que formavam a corona radiata. Essa corona estava ligada não diretamente ao ovócito, mas a uma barreira acelular, chamada de zona pelúcida[1]. Essa zona pelúcida conferia uma proteção extra ao ovócito antes e depois da fecundação. 

Nisso, ela ouve um alvoroço do outro lado. Ela percebe que está observando um momento único: os espermatozoides estão indo ao encontro do ovócito. Para evitar ser atropelada (ou ser “seduzida”) por eles, ela se pôs um pouco mais distante do evento, onde ela poderia ver o que acontecia com mais segurança. Os espermatozoides, muitíssimos menores que o ovócito, mal chegavam e já iam tentar furar a barreira que os separava do grande prêmio. No topo da cabeça do espermatozoide havia uma grande vesícula cheia de enzimas digestivas. Esse topo, chamado de acrossomo, era liberado pelo espermatozoide para digerir as células foliculares e a zona pelúcida. O trabalho deve ser rápido já que apenas um espermatozoide consegue fazer o serviço completo e conseguir fecundar o ovócito[2]. 

Mesmo naquele alvoroço espermático, ela percebe que em um lado do ovócito, um espermatozoide está se dando bem. Ele liberou suas enzimas digestivas que estão abrindo um espaço na zona pelúcida. Ana levanta de onde estava. Nisso o espermatozoide consegue perfurar por completo a zona pelúcida e ocorre a fusão das membranas celulares. Nesse fusão, o material genético do espermatozoide é liberado dentro do citoplasma do ovócito. Enquanto isso, ocorre uma cascata de reações químicas na zona pelúcida, a tornando impenetrável. A ação dos espermatozoides do lado de fora será inútil a partir de agora. É o fim da linha para eles. 

Esquema ilustrando as etapas da fecundação. Em 'A', o espermatozoide se aproxima da corona radiata.
Em 'B', o espermatozoide libera sua carga enzimática que fica localizada no acrossoma. Essas enzimas
auxiliam o espermatozoide a penetrar as células foliculares e a zona pelúcida, vista em 'C'. Assim,
ocorre a fusão de membranas (do ovócito e espermatozoide), onde o material genético e todo conteúdo
citoplasmático do espermatozoide é jogado no interior do ovócito, em 'D'. Em 'E', 'F' e 'G', ocorrem as etapas
de fusão dos pronúcleos (feminino e masculino) que levarão a formação do zigoto.

Ana observa animada os eventos que estão ocorrendo no ovócito recém-fecundado. Os cromossomos do ovócito e do antigo espermatozoide se encontram, formando o famoso zigoto. Essa bola de células já havia andado um pouco pelo tapete de células que a empurrava. Sem perceber, Ana estava sendo levada também e nem percebera que estava relativamente longe do local onde sua história começou. 

-- Ana?! Você está bem? 

-- Ah! – Ana leva a mão no coração. Estava tão perdida em sua imaginação fértil que nem vira o marido entrar no banheiro. 

-- Achei estranho, você está mais de 20 minutos no banho. O que aconteceu? 

-- Estou todo esse tempo no banho? – ela olha para suas mãos, que ficaram enrugadas por causa da água – eu estava pensando em algumas coisas... biológicas sabe... – Carlos dá uma risada, com um olhar do tipo ‘você vive fazendo isso’. Ana fica levemente sem graça, mas ri também. 

Naquela noite, Ana começa a se insinuar para Carlos. Ele, que estava lendo um livro, observa sua mulher realizando uma leve dança sensual. Carlos gostava quando ela fazia isso, mesmo não tendo grande prática. Ela sabia que Carlos gostava de vê-la dançando, mas não sabia muito bem o que fazer. Entretanto, naquela noite, ela quis fazer uma dancinha para o marido. Ela sabia que os hormônios a estavam empurrando para esse momento, visto que ela deveria estar ovulando. Mas não ligou. Minutos mais tarde, o livro que Carlos lia estava em algum lugar debaixo da cama. 

Depois do momento único do casal, Carlos já dormia. Ana, que estava pronta para dormir, coloca as mãos em seu ventre e indaga se o que ela imaginou no banho estaria para acontecer com ela em breve. Um suspiro a puxa para dormir profundamente. Boa noite. 

Informações extras: 
[1]: isso não é bem verdade. Na verdade as células da corona radiata apresentam ‘projeções’ citoplasmáticas que atravessam espaços da zona pelúcida e encontram o ovócito. Como as células foliculares da corona ajudam a nutrir o ovócito nos primeiros momentos de existência, é necessário haver um meio para o transporte dessas substâncias. Entretanto, a maior parte das células se fixam diretamente à zona pelúcida e não ao ovócito. 

[2]: embora seja exceção, há casos em que dois ou mais espermatozoides conseguem fecundar o ovócito. Nesse caso surge uma aberração em que o zigoto tem um número maior de cromossomos do que devia ter. Geralmente ocorre aborto espontâneo ou nasce morto.

Com imagem em Wikipedia. Desenho esquemático feito por mim, protegido por CC. Com informações em VisionLearning e:
SCHOENWORF, Gary C. et al. Larsen embriologia humana. Rio de Janeiro, Elsevier, 2009.

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