O que ensinar?

O que você realmente sabe sobre essa imagem?

Talvez uma das grandes dificuldades em escrever algum conteúdo para o blog (ou em qualquer meio de divulgação) é tentar adivinhar o seu público alvo. Mas não adivinhar no sentido de que tipo de coisa ele está buscando (por exemplo, eu vejo que muitas pessoas buscam sobre chocolate. Minha tendência é escrever mais sobre esse assunto, visto que ele retorna mais visitantes para o blog) mas adivinhar o que realmente a pessoa sabe sobre o assunto. Qualquer um.

Dias atrás eu estava navegando na internet e vi uma bela montagem onde mostrava uma galáxia em espiral e, em um dos seus braços estava apontando uma seta, com os dizeres: Terra, você está aqui. A imagem que abre esse post mostra a montagem em questão.

Bom, para um observador mais atento, fica claro que essa galáxia não é a nossa galáxia, ou seja, a Via Láctea, onde vivemos. Essa é a conhecida Galáxia de Andrômeda, também conhecida (devido a sua catalogação), como M31[1] ou, ainda, NGC 224[2]. Bom, não dá para saber quantas pessoas realmente sabiam mas, dos quase 90 comentários, apenas duas pessoa citaram explicitamente que era Andrômeda e não a Via Láctea.

Entretanto esse não é o maior dos problemas. Um dos comentários perguntava, sobre a imagem acima, onde ficava o Sol nessa "brincadeira" toda. Outro queria saber se o Sol estava no centro, a parte mais brilhante da imagem. Já um terceiro disse que era apenas uma concepção artística. Ele estaria certo, se estivesse falando da Via Láctea[3]. E para fechar, se a foto foi tirada pela Voyager 1. Os demais comentários seguiram aquilo que a imagem quer passar: de que nós humanos somos pequeníssimos diante da imensidão do Universo.

Esses poucos comentários me fez pensar sobre o assunto: o que está sendo ensinado em Ciências, tanto nas escolas, como o divulgado por aí, é o suficiente? Ou melhor: esse conteúdo está realmente sendo entendido por quem o acessa?

Esses comentários foram referentes a uma simples imagem. Imagine um texto em que fala sobre a variabilidade genética ou sobre o bóson de Higgs. Obviamente para a pessoa saber o que é variabilidade genética ela tem que ter um mínimo conhecimento sobre genética e de evolução. Já para o bóson, saber que o mundo é feito de átomos não é suficiente, é preciso que ela saiba que existem muito mais coisas além disso para entender a corrida dos cientistas em busca dessa tão famosa partícula.

Eu já disse sobre isso em uma postagem algum tempo atrás. Você pode vê-lo aqui. Ao meu ver, existe uma grande ignorância científica. Muitas pessoas não se interessam em Ciências ou quando se interessam, não entendem realmente o significado das coisas. Nem percebem o quanto de conhecimento científico tem um antibiótico que o salva de, hoje, uma simples doença e não entende quando a Anvisa impede de sair comprando o produto quando bem entendesse na farmácia. Ao mesmo tempo, adora saber sobre os contatos alienígenas, os relatos dos "sobreviventes" e o que dizem os "especialistas" no assunto. Conta aos amigos que os cientistas sabem dos aliens mas o governo mascara tudo. Isso sem falar do dinheiro que ele pode deixar na mesma farmácia que foi impedido de comprar um antibiótico ao ser informado das maravilhas da homeopatia.

Acho que estamos fazendo errado. Faz tempo.

Ensinar que Evolução se resume a Lamarck errado e Darwin certo e que suas ideias contradizem a bíblia não é ensinar evolução. Afinal de contas, fazendo assim, ao explicar que o antibiótico mata muitas bactérias mas não todas e que essas, que possuem alguma resistência natural ao antibiótico acabam se multiplicando sem problemas e logo causam a doença novamente, dificilmente a pessoa iria associar a esse evento à Teoria da Evolução. Ou quando é ensinado que a Terra é apenas um planeta entre tantos outros do Sistema Solar e que nosso sistema é um entre tantos outros que existem apenas em nossa galáxia e que nossa galáxia é uma entre tantas outras bilhões e mesmo assim achar que os aliens estão nos visitando para fazer experiências com a gente.

Parece que estamos passando para as pessoas muitas palavras e conceitos mas não estamos fazendo elas pensarem sobre essas coisas que aprendem.

Os comentários da imagem, por exemplo, podem ser apenas uma brincadeira (realmente espero) mas podem ser verdadeiras. A pessoa realmente pensa que o Sol está no centro da galáxia. E não é culpa dela. Ela pode estar mau informada ou, o que acho pior nesse caso, ela saber bem do que está sendo tratado, mas ela simplesmente não conseguiu juntar todos esses conhecimentos para refletir sobre o que está vendo.

Devemos, então, parar de escrever e ensinar coisas complexas para ficar apenas nas mais simples? Obviamente, não. Isso além de não levar mais da Ciência para as pessoas, as fariam pensar que o conhecimento científico se resume a isso, apenas. E essa visão simplista do mundo é que devemos abolir. Acho que, o mais importante, é fazer a pessoa entender de fato aquilo que está aprendendo e não ficar na decoreba ou do "li mas não entendi". A Ciência, como disse Carl Sagan, é mais que um corpo de conhecimento. É um modo de pensar. Pensar sobre a maravilha que é viver em um Universo onde seus mistérios vão sendo pouco a pouco entendidos por pequenos macacos pelados vivendo em um planetinha minúsculo em um canto de uma galáxia bonitinha.

Precisamos pensar mais. É o melhor jeito para entendermos mais sobre o Universo onde vivemos.

Informações extras:
Desenho de Charles
Messier para a M31.
[1]: o catálogo Messier foi compilado no século XVIII pelo astrônomo francês Charles Messier. A obra Catalogue des Nébuleuses et des amas d'Étoiles, que l'on découvre parmi les Étoiles fixes sur l'horizon de Paris registrava 110 objetos celestes visíveis na época. A ordem dos números, ou seja, M1, M2, é devido a ordem de entrada nesse sistema. Mesmo a galáxia de Andrômeda ser conhecida desde a Idade Média, ela foi a 31ª a ser inserida no catálogo.

[2]: o NGC, ou New General Catalogue, é um amplo catálogo registrando quase 8000 objetos identificáveis no espaço profundo. Foi feito originalmente no final do século XIX, recebeu uma revisão no fim da década de 1980, considerado um dos mais completos catálogos de objetos de espaço profundo já feitos.

[3]: a menos, é claro, que mandemos uma nave espacial que consiga chegar a uma distância considerável da Via Láctea e tire uma foto. Entretanto, para a nave chegar até lá e depois transmitir a imagem para a Terra demoraria muito tempo (milhões de anos). Até lá, talvez nem a humanidade exista mais. :-(

Com informações de Wikipedia e Wikipedia. Imagens: a que ilustra essa postagem eu vi aqui (em Facebook); desenho de Messier, em Wikipedia.

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