O problema quântico
Será que a Física Quântica governa nossas vidas? Não sei, tenho minhas dúvidas... |
O trabalho da ciência nem sempre é fácil. Observo isso tanto no laboratório onde fiz minha iniciação científica (e continuo como estagiário) como por histórias de colegas e que vejo pela internet. Problemas sempre surgirão durante alguma etapa que você jurou que daria certo: seja durante um teste sorológico ou molecular, seja no momento da coleta ou escrevendo o relatório. Obviamente não queremos que as coisas saiam errado em nenhuma etapa mas, de certa forma, o cientista já está adaptado a esse tipo de coisa.
O problema o qual quero chegar (e que explica o título dessa postagem) não é sobre os pequenos momentos de raiva e desespero que se passa na pesquisa mas com o mau uso do conhecimento científico que é gerado.
Confesso que não sei como mas apareceu na meu feed de notícias no Facebook uma sugestão para curtir um grupo sobre 'física quântica'[1]. Resolvi clicar no link da página para saber mais sobre como era o grupo. Então...
ANTES de tudo isso, uma breve visão da física quântica[2]:
[parênteses na postagem mode on]A física quântica (ou mecânica quântica) são estudos que se iniciaram no começo do século XX com os trabalhos de Max Planck, seguido de trabalhos de Albert Einstein, Erwin Schrödinger e outros cientistas, como Werner Heisenberg (ganhador do Nobel pela criação da mecânica quântica. É dele também o famoso 'princípio da incerteza de Heisenberg').
A física quântica tem por objetivo entender e explicar fenômenos que ocorrem em escala atômica (ou coisas menores que isso). Ou seja, o objetivo da mecânica quântica é entender o mundo do muito pequeno, desde moléculas, átomos e partículas subatômicas. Isso ocorre pelo surgimento da ideia de que as emissões eletromagnéticas ocorrem por emissão de pequenos pacotes de energia (denominada 'quanta' que vem do latim, quantum), uma ideia nova quando comparada com a física clássica. A ideia básica para o entendimento da física quântica foi descrito acima. Isso é o suficiente para nosso propósito[3].[parênteses da postagem mode off]
Embora bem sucinta, em nenhum momento, seja no seu começo como na atualidade, a física quântica não estuda o mundo físico em um nível maior que o atômico[4]. As leis que regem o mundo macroscópico não tem poder no mundo atômico (e o contrário também é válido).
"Você não tem poder aqui", disseram ambas as físicas. |
Ficou claro isso, certo?
Pois bem, acho que podemos ir ao título dessa postagem: por que raios começaram a dizer que a física quântica pode fazer alguma coisa em nossas vidas? Melhor: por que a física quântica passou a ser uma espécie de solucionador de problemas pessoais?
A história, antes de mais nada, é mais antiga que pode parecer. Desde sempre creditamos eventos naturais como determinantes de nosso mode de vida. A astrologia[5], por exemplo, desde os primórdios dos tempos aparece com o propósito de relacionar os eventos astronômicos com a vida humana na Terra. Diversos povos tinham astrólogos que estudavam os céus e muitas decisões de guerras, casamentos e nascimentos foram resolvidos pela simples posição dos corpos celestes no céu.
Embora a astrologia esteja presente em nosso dia-a-dia[6], atualmente ela encontra outros companheiros de viagem que estão ganhando adeptos a cada dia que passa. E, provavelmente, o desconhecimento da palavra 'quântica', tão ligada ao mundo da ciência e de coisas que parecem tão estranhas quando vistas do mundo macroscópico acabam ganhando força.
A primeira vez que ouvi esse tipo de coisa (a coisa quântica na vida das pessoas) foi em 2006 e estava no colegial. Fui apresentado à coisa quântica através do filme 'Quem somos nós' (2004). O filme basicamente apresenta a influência da física quântica em nossa vida e sobre o nosso entendimento do universo ao nosso redor. A partir de então, livros e mais livros começaram a ser publicados sobre a tal influência quântica em nossas vidas. Faça uma busca em alguma livraria online de sua preferência e busque pelas palavras 'quântico' ou 'quântica'.
Aparentemente, o uso indiscriminado da palavra quântica traz ao público uma aparente cientificidade da coisa. Afinal de contas, em uma sociedade cada vez mais consumista, onde medicamentos são caros e o tratamento é demorado e, aparentemente, ninguém mais tem amor próprio (quiça amor ao próximo), a ideia de que a "ciência do futuro", aquela coisa quântica (e tudo relacionado a ela), que pode resolver nossos problemas, acaba soando bem tentador. De certa forma, parece que o livro com o produto quântico, a cada página lida, um pedaço da chave da felicidade e do conhecimento pleno é revelada. Coisas como ressonância harmônica, saúde quântica, mediunidade e física quântica, fé e física quântica, mente quântica, a vida após a morte e física quântica, revolução quântica, psicologia quântica e outros termos surgiram nos últimos anos com o intuito de revelar a verdade científica da felicidade.
Pena que isso tudo é balela! Papo-furado (para quem desconhece a palavra balela) ou, ainda, charlatanismo.
A física quântica estuda unicamente as interações entre entidades muito pequenas, em nível atômico, não mais que isso. Sua influência na vida macroscópica é nula, assim como a gravidade (uma força macroscópica) o é nos átomos: nada. O simples fato de existir uma palavra de cunho científico em alguma coisa não o torna automaticamente científico.
Entretanto, acabamos de abrir um outro problema: quando saber que tal conteúdo é científico ou possui caráter científico? Atualmente é possível encontrar qualquer tipo de conteúdo em qualquer meio de comunicação: livros, revistas, documentários e, principalmente, internet. Provavelmente terei que levar essa discussão para uma outra publicação, que pretendo escrever em breve. Mas posso deixar uma dica rápida: o cientista Lawrence Krauss, baseado nas ideias de Carl Sagan, desenvolveu um Kit de Detecção de Mentiras, que visa ajudar as pessoas a serem um pouquinho céticas quanto ao recebimento de alguma informação. Já publiquei esse vídeo aqui no blog, basta clicar aqui.
O grande problema quântico que quero finalizar nessa postagem não diz respeito a acreditar ou não nesse tipo de conteúdo. O problema é achar que esse conteúdo é científico - coisa que não é. Ter um conhecimento prévio sobre como é o trabalho da ciência (desde como trabalha e como organiza a informação) e até mesmo saber filtrar a informação que existe por aí é de suma importância para evitar ser pego por "informações" pseudocientíficas.
A história, antes de mais nada, é mais antiga que pode parecer. Desde sempre creditamos eventos naturais como determinantes de nosso mode de vida. A astrologia[5], por exemplo, desde os primórdios dos tempos aparece com o propósito de relacionar os eventos astronômicos com a vida humana na Terra. Diversos povos tinham astrólogos que estudavam os céus e muitas decisões de guerras, casamentos e nascimentos foram resolvidos pela simples posição dos corpos celestes no céu.
Embora a astrologia esteja presente em nosso dia-a-dia[6], atualmente ela encontra outros companheiros de viagem que estão ganhando adeptos a cada dia que passa. E, provavelmente, o desconhecimento da palavra 'quântica', tão ligada ao mundo da ciência e de coisas que parecem tão estranhas quando vistas do mundo macroscópico acabam ganhando força.
A primeira vez que ouvi esse tipo de coisa (a coisa quântica na vida das pessoas) foi em 2006 e estava no colegial. Fui apresentado à coisa quântica através do filme 'Quem somos nós' (2004). O filme basicamente apresenta a influência da física quântica em nossa vida e sobre o nosso entendimento do universo ao nosso redor. A partir de então, livros e mais livros começaram a ser publicados sobre a tal influência quântica em nossas vidas. Faça uma busca em alguma livraria online de sua preferência e busque pelas palavras 'quântico' ou 'quântica'.
Aparentemente, o uso indiscriminado da palavra quântica traz ao público uma aparente cientificidade da coisa. Afinal de contas, em uma sociedade cada vez mais consumista, onde medicamentos são caros e o tratamento é demorado e, aparentemente, ninguém mais tem amor próprio (quiça amor ao próximo), a ideia de que a "ciência do futuro", aquela coisa quântica (e tudo relacionado a ela), que pode resolver nossos problemas, acaba soando bem tentador. De certa forma, parece que o livro com o produto quântico, a cada página lida, um pedaço da chave da felicidade e do conhecimento pleno é revelada. Coisas como ressonância harmônica, saúde quântica, mediunidade e física quântica, fé e física quântica, mente quântica, a vida após a morte e física quântica, revolução quântica, psicologia quântica e outros termos surgiram nos últimos anos com o intuito de revelar a verdade científica da felicidade.
Pena que isso tudo é balela! Papo-furado (para quem desconhece a palavra balela) ou, ainda, charlatanismo.
A física quântica estuda unicamente as interações entre entidades muito pequenas, em nível atômico, não mais que isso. Sua influência na vida macroscópica é nula, assim como a gravidade (uma força macroscópica) o é nos átomos: nada. O simples fato de existir uma palavra de cunho científico em alguma coisa não o torna automaticamente científico.
Entretanto, acabamos de abrir um outro problema: quando saber que tal conteúdo é científico ou possui caráter científico? Atualmente é possível encontrar qualquer tipo de conteúdo em qualquer meio de comunicação: livros, revistas, documentários e, principalmente, internet. Provavelmente terei que levar essa discussão para uma outra publicação, que pretendo escrever em breve. Mas posso deixar uma dica rápida: o cientista Lawrence Krauss, baseado nas ideias de Carl Sagan, desenvolveu um Kit de Detecção de Mentiras, que visa ajudar as pessoas a serem um pouquinho céticas quanto ao recebimento de alguma informação. Já publiquei esse vídeo aqui no blog, basta clicar aqui.
O grande problema quântico que quero finalizar nessa postagem não diz respeito a acreditar ou não nesse tipo de conteúdo. O problema é achar que esse conteúdo é científico - coisa que não é. Ter um conhecimento prévio sobre como é o trabalho da ciência (desde como trabalha e como organiza a informação) e até mesmo saber filtrar a informação que existe por aí é de suma importância para evitar ser pego por "informações" pseudocientíficas.
Informações extras:
[1]: é sabido que nossas vidas estão atreladas às redes sociais. É sabido também que o Facebook monitora praticamente qualquer movimentação que você faz dentro e fora do site (se você curtir determinado conteúdo de um site (como uma postagem), isso não se resume a apenas aparecer na sua linha do tempo mas é um registro de que aquela informação é interessante/útil/importante para você). Como consequência, essas informações poderão ser usadas para redirecionar conteúdos relevantes para você. É sabido, por minha parte, que pesquiso, leio e curto conteúdos sobre ciências na internet. Nada mais sensato que aparecer páginas "científicas" como sugestão de curtir tais conteúdos. Mas, como podemos ver, às vezes o tiro sai pela culatra.
[2]: embora fique um pouco estranho um quase-biólogo (estou finalizando minha graduação em Biologia e, portanto, o 'quase' não deixa eu ser biólogo de fato) falar sobre física (e quântica, ainda por cima), sou, juntamente com todos os demais biólogos, cientistas, assim como os físicos e químicos, que são cientistas também. Obviamente para eu entender conteúdos de outras áreas do conhecimentos que não são de minha competência exigem cautela: corro o risco de falar besteira como qualquer pessoa leiga no assunto. Mesmo sendo uma ciência, é preciso se informar e entender sobre assuntos que não competem com a área de formação (no caso, biologia). Talvez uma das coisas mais difíceis em aprender uma área do conhecimento que você não é especialista seria, ao meu ver, filtrar a informação.
[3]: a física quântica não é apenas isso. Todo um conjunto de ideias e longas equações matemáticas partem desse ramo da física. Entretanto, a ideia básica será mais que suficiente para essa postagem.
[4]: a mecânica quântica derivou muitos outros ramos do conhecimento científico, como a física nuclear, física atômica, química quântica e até física computacional. Na biologia, existe trabalhos tentando entender como processos bioquímicos complexos podem ser explicados pela mecânica quântica no que diz sobre a interação entre as moléculas. Um exemplo de estudo é a fotossíntese, em que Carlos Alberto dos Santos, em sua coluna no Ciência Hoje, conta um pouco mais sobre essa ideia, que muitos biólogos ainda desconhecem.
[5]: é comum, até entre pessoas mais estudadas, confundir astrologia e astronomia. A astrologia (que significa 'estudo das estrelas') é uma pseudociência que acredita que os astros celestes possuem influência e predição sobre a vida humana. A posição dos astros no momento do nascimento seriam uma espécie de assinatura universal que imporia ao nascido certas características de personalidade e sua vida futura. Já a astronomia (do grego, 'lei das estrelas' ou, ainda, 'cultura das estrelas') é um ramo da ciência que visa estudar os corpos celestes do ponto de vista físico, químico, origem e evolução cósmica. Embora ambas as 'astros' possuam uma origem em comum (na verdade, podemos dizer que a astronomia surgiu a partir da astrologia), atualmente são formas distintas de trabalhar e entender o universo.
[6]: assim como os demais nascidos no fim de agosto, sou virginiano (e sim, vivia e ainda vivo ouvindo piadinhas do tipo). Como curiosidade, enquanto escrevia essa postagem, entrei em alguns sites de astrologia e vi o horóscopo para meu signo (entrei em quatro sites e alguns horóscopos estavam com previsões para o dia ou para a semana). A previsão, como é visível, são muito amplas e, de certa forma, servem para qualquer pessoa (independente do signo). Em um, dizia que era para eu deixar a preguiça e o egoísmo de lado, enquanto outro dizia que devia me dedicar ao corpo e um outro ainda me informava que devia passar o dia em casa na presença de quem se ama. Sugeriam cores para eu usar, que ia de vinho em um site e amarelo e violeta em outro. Nem é preciso citar as referências desses sites aqui. No Google, busque por 'astrologia' ou 'horóscopo' e divirta-se.
Via In My Imagination em seu Flickr.
[5]: é comum, até entre pessoas mais estudadas, confundir astrologia e astronomia. A astrologia (que significa 'estudo das estrelas') é uma pseudociência que acredita que os astros celestes possuem influência e predição sobre a vida humana. A posição dos astros no momento do nascimento seriam uma espécie de assinatura universal que imporia ao nascido certas características de personalidade e sua vida futura. Já a astronomia (do grego, 'lei das estrelas' ou, ainda, 'cultura das estrelas') é um ramo da ciência que visa estudar os corpos celestes do ponto de vista físico, químico, origem e evolução cósmica. Embora ambas as 'astros' possuam uma origem em comum (na verdade, podemos dizer que a astronomia surgiu a partir da astrologia), atualmente são formas distintas de trabalhar e entender o universo.
[6]: assim como os demais nascidos no fim de agosto, sou virginiano (e sim, vivia e ainda vivo ouvindo piadinhas do tipo). Como curiosidade, enquanto escrevia essa postagem, entrei em alguns sites de astrologia e vi o horóscopo para meu signo (entrei em quatro sites e alguns horóscopos estavam com previsões para o dia ou para a semana). A previsão, como é visível, são muito amplas e, de certa forma, servem para qualquer pessoa (independente do signo). Em um, dizia que era para eu deixar a preguiça e o egoísmo de lado, enquanto outro dizia que devia me dedicar ao corpo e um outro ainda me informava que devia passar o dia em casa na presença de quem se ama. Sugeriam cores para eu usar, que ia de vinho em um site e amarelo e violeta em outro. Nem é preciso citar as referências desses sites aqui. No Google, busque por 'astrologia' ou 'horóscopo' e divirta-se.
Via In My Imagination em seu Flickr.
Parabéns pelo maravilhoso blog!!! Espero poder acompanhá-lo por mais muitos anos!!
ResponderExcluirObrigado Aline Ghilardi. Desculpe não ter respondido antes seu comentário. Não recebi nenhuma notificação de comentário nesses dias pelo meu e-mail. Vi apenas agora no sistema. =D
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