Quando a Pós encontra o Ensino Médio...


[ritmo de 'Beijinho no Ombro', de Valesca Popozuda]
♪♫ Desejo a todos febre alta e dor no corpo,
Pra que vejam cada dia mais nossa vitória
Piquei de frente, é só moleza e canseira
Aqui no vaso 'nóis' se cria e faz história ♪♫

Participei, pela primeira vez, de um curso de férias desenvolvido por vários programas de pós-graduação do campus da Unesp de Botucatu. Nele, alunos de graduação e pós-graduação (mestrandos, doutorandos e mesmo pós-doutorandos) tem por objetivo transpor seus conhecimentos para os alunos de escolas públicas da região, sem ajuda de lousa, giz[1], livros ou qualquer outra coisa que remeta ao ensino formal, aquele que vemos na escola.

Sou mestrando pelo programa de Doenças Tropicais da Faculdade de Medicina da Unesp e entrei como monitor no curso de férias "Do amarelão às picadas de cobra: um passeio pelas doenças tropicais". Entre danças e explicações sobre doenças que ocorrem nas regiões tropicais do globo, confesso que fiquei surpreso com a quantidade de coisas que aprendi. Coisas sobre nós mesmos.

Não estou sendo piegas: é sério.

Confesso que estava cético em relação ao sucesso de transpor nosso conhecimento para os alunos do ensino médio sem essa 'formalidade'. Embora eu blogue sobre ciências há mais de cinco anos e, de certa forma, transponho o conhecimento nessa ferramenta informal, eu o faço organizando as ideias em forma de texto. De certa forma, dou uma organização na informalidade de blogar.

Mas a ideia de reunir 50 alunos de ensino médio em uma sala de aula toda decorada com papéis coloridos e fitas no meio das férias de verão para ensinar sobre as principais doenças tropicais sem parecer estar ensinando me parecia "uma coisa que não ia dar certo" (parafraseando Dani, minha colega de laboratório e que também participou do curso de férias).

Mas não imaginei que aqueles 50 alunos me ensinariam algumas coisas: eu acordava 5h50 para estar na universidade às 7h30 da manhã, ficando até depois das 18h. Os alunos chegavam um pouquinho mais tarde, lá pelas 8h. Se para você, querido leitor, imaginar um adolescente acordar cedo nas férias para ir "ter aula" a coisa mais estranha do mundo, segura essa: como o programa selecionou alunos de escolas da região da Unesp de Botucatu, alguns alunos acordavam até mesmo antes das 5h da madrugada para irem "ter aula"! Nas férias! Durante uma semana! Incluindo sábado!

O que será que fazia esses alunos (e tantos outros que estavam participando em outros programas) a acordar cedo para ir à universidade?

Acredito que a possibilidade de aprender sobre um assunto como se fizesse parte de uma brincadeira talvez ajude a compreender um pouco. Mas o que eu vivenciei ainda não exprime, digamos, a verdade.

Leopoldo de Meis.
O curso de férias começou a partir das ideias do programa Jovens Talentosos, do egípcio naturalizado brasileiro Dr. Leopoldo de Meis (1938-2014). Na década de 80, de Meis queria que a população de baixa renda tivessem a oportunidade de entrarem na universidade e desenvolverem pesquisas ao lado de pós-graduandos. O programa teve início em 1985 no Instituto de Bioquímica Médica (IBqM) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O sucesso do programa foi exportado para diversas outras universidades do país, como a Unesp de Botucatu, onde ocorre faz alguns anos.

O bacana do programa é a possibilidade dos alunos de ensino médio terem uma bolsa de Iniciação Científica Júnior (PIBIC-Jr), onde os alunos receberão um auxílio para desenvolverem atividades nos mais diversos laboratórios. Eles são apoiados das mais diversas formas, como ajuda em aulas particulares de inglês ou até mesmo reforço escolar.

E acho que é por isso que esses alunos tinham quase que uma satisfação em acordar cedo nas férias para ir à universidade. Não me refiro a bolsa em si. Me refiro na possibilidade de mudarem de vida.

Muitos desses alunos viam a universidade como um espaço de difícil acesso: um espaço que eles não conseguiriam conquistar. Entretanto, mostramos a eles, além do conteúdo proposto, que aquele espaço público de ensino é deles também. Que, com o empurrão certo, eles poderão estar juntos conosco em breve, naquele mesmo espaço.

A atenção dedicada por nós a eles é palpável, principalmente no último dia. Todos queriam que a semana não acabasse, que tivesse mais um mês de curso de férias. Pelo grupo criado no Whatsapp, li mensagens desse tipo. Li, também, uma mensagem dizendo que o domingo após a semana do curso foi um dia triste, pois acordou sabendo que não teria mais curso de férias para ir.

Sim, teve alunos chorando e monitores chorando nesse último dia. E sim, é cansativo pra caramba! Mas é muito bom saber que você está fazendo parte da mudança de vida desses alunos, trazendo-os à luz de conhecimentos novos e da possibilidade de entrarem na universidade, um sonho que se torna mais palpável.







Acima deixei algumas imagens das atividades da semana e, abaixo, o vídeo final apresentado no encerramento, onde cada curso mostrava para os demais as atividades feitas ao longo da semana.


Essa é a página do curso de férias no Facebook, onde imagens e outras informações são divulgadas para os curtidores.



Rodapé:
[1]: bom, nós usamos lousa e giz para anotações de pontuações dos grupos de alunos. Nenhum conteúdo formal foi passado dessa forma.

Com informações de O Globo. Imagem de Meis, aqui.

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