[tenho um amigo]: recuperação ambiental

Tabebuia aurea, nome científico para o conhecido ipê-amarelo, uma das espécies nativas do Cerrado,
em fase de crescimento no viveiro da Jacutinga Reflorestamento.

Para quem se graduou ou ainda está na vida universitária, acaba acompanhando os amigos e colegas de turma galgando novos desafios e oportunidades com o passar dos anos. Alguns terminam ou escolhem outro curso de interesse; outros entram no mercado de trabalho e outros continuam na carreira acadêmica, indo para a pós-graduação.

Sou biólogo e no momento em que escrevo estou desenvolvendo meu mestrado em Doenças Tropicais[1]. Contudo, meus amigos e novos amigos que conheci na pós possuem outras habilidades e interesses, realizando diversas atividades diferentes. A proposta dessa postagem (e outras, assim espero) "Tenho um amigo" é justamente mostrar as possibilidades que podemos fazer quando chegamos no fim da faculdade de um curso. A princípio focarei nas biológicas, que tenho mais contato, mas pretendo expandir para outras áreas do saber. Espero que gostem da ideia e que, caso esteja em dúvidas sobre o que trilhar após a faculdade, que meus amigos ajudem a mostrar algumas possibilidades.
* * *

Danilo da Costa, o meu amigo
que faz recuperação ambiental.
Tenho um amigo que faz recuperação ambiental.

Dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) apontaram uma redução no desmatamento da Mata Atlântica nos últimos anos: pouco mais de 18 mil hectares[2] foram desmatados entre 2013 e 2014. Infelizmente milhares e milhares de hectares que foram desmatados no anos anteriores não foram devidamente recuperados. Isso não resume apenas em um tremendo impacto ambiental, já importante, mas também impacto econômico, visto que diversos setores econômicos ligados diretamente e indiretamente à Mata (ou qualquer outra floresta) foram prejudicados[3]. André Rabelo, psicólogo que mantém o blog SocialMente no ScienceBlogs Brasil e apresenta o 'Minutos Psíquicos' nos mostrou que o impacto com a desmatamento e degradação ambiental chega a casa de bilhões de dólares por ano. Portanto, a ação no sentido reverso, ou seja, recuperando o ambiente natural é de suma importância para minimizar impactos ambientais e, também, econômicos e sociais.

Danilo da Costa, biólogo formado na Unesp, faz parte de uma sociedade de amigos que abriram recentemente a Jacutinga Reflorestamento, uma empresa voltada para o reparo e compensação ambiental, além de atuar em paisagismo e arborização urbana, sobretudo do Cerrado[5], um dos maiores biomas[4] do Brasil, local de 5% da biodiversidade do planeta.

"Logo que terminei o curso de Biologia o Sushi[6]e eu estávamos conversando a respeito da produção de mudas nativas de cerrado, visto que o Cerrado é um bioma altamente ameaçado.", disse Danilo. Atualmente, cerca de 20% da vegetação nativa do Cerrado ainda existe, a grande parte do bioma foi ocupado por atividades agropecuárias. "Juntamos com nosso amigo André que estava trabalhando com outro amigo, o Guilherme, no Museu do Café, em Piratininga (interior de São Paulo). O Guilherme trabalhava na Meta Ambiental, empresa de consultoria ambiental e tinham interesse em áreas de reflorestamento. Assim, fomos convidados a trabalhar em parceria e surgiu a Jacutinga Reflorestamento".

Embora reflorestamento, como explicou Danilo, nada mais é que formar florestas em áreas que eram formações florestais, existe uma diferença entre elas. "Não é incomum algumas pessoas pensar que plantações e espécies exóticas, como Pinus, Seringueira[7], Eucalipto etc, não possam ser consideradas como reflorestamento, mas podemos distinguir dois tipos de reflorestamento: o reflorestamento comercial, que não necessariamente precisa ser feito com espécies nativas, como por exemplo, plantio de Pinus spp. e Eucalyptus spp. para utilização da celulose; e o outro tipo é o reflorestamento de florestas nativas, em que o objetivo é a restauração ambiental, foco de nossa empresa." Além disso, ele aponta que embora reflorestamento e restauração ambiental são usados da mesma forma, há diferenças. "Enquanto o reflorestamento é basicamente a formação de florestas feitas, geralmente, por plantio direto de mudas, a restauração ambiental vai além, ela tenta recuperar as áreas degradadas de maneira a chegar o mais próximo possível de como a área foi anteriormente ou de locais de vegetações nativas da região na qual se encontra, podendo ser ou não uma floresta."

Bowdichia virgilioides, nome científico para a sucupira-preta, espécie do Cerrado
ameaçada de extinção, alvo da empresa.

Falando na empresa em si, Danilo disse da certa dificuldade em começar o próprio negócio no país. Ainda é muito difícil ver cientistas e formados em áreas de ciências abrirem empresas no país voltadas para sua área de atuação. "De cara o maior desafio é saber por onde começar. Apesar do biólogo poder atuar em diversas áreas, como por exemplo ambiental, nosso curso tem o foco voltado para a pesquisa científica, então quando vamos para o mercado de trabalho não temos muito conhecimento de causa no que diz respeito à parte da aplicação técnica e empreendedorismo", conta. Além disso, as leis e normas técnicas desatualizadas com o conhecimento científico atual e serem muito simples quando se tratam do meio ambiente acabaram sendo outro fator que dificultou o começo da empresa. "O que acaba sendo mais um desafio: o de adequar à aplicação de conhecimentos científicos às técnicas metodológicas. Porém este foi um desafio facilmente superado, visto que já estamos habituados ao rigor do método científico."

O grupo já trabalhou em algumas áreas de recuperação em alguns municípios paulistas, como Bauru, Botucatu e Piratininga. "As experiências são sempre ótimas, pois cada trabalho são novas experiências e vivências que nos leva a aprimorar e evoluir tanto na qualidade do serviço quanto como pessoas." Com isso, o lema do 'vivendo e aprendendo' nunca foi levado tão a sério, onde já "passamos por maus bocados e tivemos que colocar a mão na massa literalmente para a execução dos plantios". Muito desses serviços que a empresa realiza são para compensações ambientais causados por algum motivo, como empreendimentos imobiliários e industriais, por exemplo, onde é executado um Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) onde esses empreendimentos precisam seguir um Termo de Compensação Ambiental (TCRA). Além disso, áreas rurais precisam ter áreas de Reserva Legal e as famosas APPs (Áreas de Preservação Permanentes), que também é realizado pelos meus amigos.

Outra coisa que o biólogo também pode trabalhar e a empresa do Danilo também realiza é realizar arborização urbana e paisagismo. Além de executar corretamente o paisagismo (por exemplo, para um condomínio) ou arborização urbana vendo a segurança da implementação e infra-estrutura do lugar (fiação e tubulação de água, que podem exigir outras abordagens), "nós, como biólogos acreditamos que um passo fundamental e que com freqüência é esquecido, é em relação à escolha da espécie a ser plantada.", que acaba indo além de seguir apenas protocolos técnicos. "Implica em saber qual a sua origem (nativa da região ou bioma, exótica invasora, exótica não-invasora, frutífera etc.), qual seu porte (fundamental, já que futuramente isso pode implicar em podas periódicas, obstrução dos postes de iluminação, curto circuitos caso a planta atinja fiação dos postes, problemas no encanamento devido ao crescimento radicular da planta), deciduidade (se a planta perde as folhas durante uma época do ano ou não o que influencia no sombreamento do local) e, é claro, a época e tipo de floração, o que dá o destaque ornamental na paisagem."

Ou seja, o biólogo pode mito ir além de trabalhar na bancada de laboratório (o qual poderemos abordar inúmeras situações futuramente) e no sentido de preservação ambiental (muitas vezes associado a ONGs): o biólogo pode ter participação ativa na recuperação ambiental e transformar isso em uma empresa que presta serviços para outras empresas e municípios.

"A paisagem bucólica do interior paulista"[8] onde a sede da empresa se encontra, como informado
na página da Jacutinga no Facebook.

Deixo o espaço do blog para quem quiser saber mais sobre a empresa ou solicitar mais informações sobre reflorestamento, recuperação ambiental, paisagismo e arborização urbana A Jacutinga Reflorestamento tem sua sede localizada na Fazenda São João, Rodovia SP 225, KM 24,5, Piratininga-São Paulo. Contato com Danilo da Costa: (14) 98145.8190 ou pelo Facebook, nesse link.

Obs.: essa postagem não é um publieditorial.

Rodapé:
[1]: às vezes chega a ser um problema dizer que estou me especializando em doenças tropicais. A começar por acharem que sei (ou devo saber) tudo sobre todas as doenças que acontecem no Brasil (aqui não é um país tropical, pô?). Além disso, é preciso explicar que o enfoque é de biologia animal e não humano (embora relacionamos com a saúde humana, não posso sair dizendo que medicamento a pessoa deva tomar por estar com leishmaniose, por exemplo). Mas é legal.

[2]: uma coisinha que o pessoal do campo, geógrafos e biólogos usam bastante é o tal do hectare. Para descomplicar de uma vez, tenha em mente que um hectare de terra tem 10 mil m² (quase o tamanho de um campo de futebol pelas recomendações da FIFA de 120m x 90m). Um acre (a medida, não o estado brasileiro) tem pouco mais de 4 mil m². Já o alqueire tem pouco mais de 2,4 hectares. Mas esse é o alqueire paulista: o mineiro tem o dobro do paulista e praticamente todo estado tem uma forma de medir isso (embora um estado possa usar mais de um, ao mesmo tempo). Outra coisa interessante é usar 'campos de futebol' como unidade de medida. Já disse uma vez que sou a favor do SI (o Sistema Internacional de Unidades) usar campos de futebol como uma unidade de medida válida.

[3]: alguns pesquisadores apontam, por exemplo, que a seca fora do normal que atingiu (e atinge) a região sudeste do país é uma consequência do desmatamento na Amazônia (sim, aquela enorme floresta a milhares de quilômetros de São Paulo). Para as chuvas ocorrerem no sudeste do Brasil, de forma geral, é preciso do encontro da massa de ar fria e seca e uma quente e úmida. A massa de ar fria vem do sul. Já a massa de ar quente e úmida vem, principalmente, de correntes que trazem essa umidade da Amazônia. Com o desmatamento, menos umidade sobe na atmosfera e menos umidade chega através dessa corrente de ar para o sudeste. Como consequência, o ar frio e seco vence a baixa umidade do ar que veio da Amazônia, resultando em menos chuvas. A crise no abastecimento que os paulistas viveram teve impactos significativos no modo de vida paulista, forçando lojas e restaurantes a criarem novos meios de armazenar água. E isso custa dinheiro.

[4]: embora a definição de bioma varie de autor para autor de forma geral podemos definir bioma como um 'grupamento de diversos ecossistemas próximos um dos outros que possuem uma homogeneidade, ou seja, elas são similares (alguns autores não concordam com isso) e formam uma rede de relações entre si. Coutinho (2006) explora esse interessante conceito nesse artigo (em .pdf) no Acta Botanica Brasilica.

[5]: não sabia disso mas alguns autores, como Batalha (2011), apontam que devemos citar o Cerrado de formas diferentes, graças a sua complexidade e evitar de estar simplificando demais esse complexo bioma. Veja aqui (em .pdf).

[6]: o Sushi, velho conhecido por todos da Unesp de Bauru, é o apelido de Bruno Francisco, um dos integrantes da empresa.

[7]: "Apesar da seringueira ser uma espécie nativa do Brasil, sua distribuição se restringe a região amazônica, assim sua implementação em regiões não amazônicas a torna uma espécie não nativa."

[8]: tivemos um professor de Ecologia que sempre dizia que o botânico tem uma veia poética. Os primeiros tratados de botânica eram escritos não com o rigor científico atual, mas com uma delicadeza semelhante a um apaixonado descrevendo a sua amada. Querendo ou não, parece que um pouquinho de sentimento está faltando em nossos textos científicos de hoje em dia...

As informações foram obtidas através de uma entrevista com Danilo da Costa. Outras informações foram obtidas em Ministério do Meio Ambiente e Desmatamento no Brasil. As imagens são reprodução de divulgações no Facebook.

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