200 mil anos de humanidade!

Ruínas no sítio arqueológica de Tell es-Sultan em Jericó. Jericó é considerada a cidade mais
antiga do mundo, com mais de 10 mil anos de existência.

Os organismos vivos eucariotos[1] possuem a mitocôndria, uma organela importantíssima na produção de energia dentro da célula. Graças a ela, produzimos até 30 mols de ATP[2] a mais por mol de glicose do que seria possível pelo método 'tradicional'. Além de permitir que tenhamos energia química para as atividades do dia-a-dia, a mitocôndria pode surpreender pelo fato de ela também possui DNA. Sim, o DNA que todos nós temos em nossos núcleos celulares, a mitocôndria também possui!

Óbvio que não é o mesmo DNA. É uma fita circular bem pequena, que possui poucas informações relacionadas ao metabolismo celular.

Mas por que ela tem DNA?, você pode se perguntar.

Pesquisadores estão cada vez mais convencidos de que a mitocôndria foi, em um passado muitíssimo distante, um organismo independente, semelhante a uma bactéria. Essa mitocôndria-ancestral foi englobada por uma célula maior (talvez esperando comê-la). Só que, ao invés disso, as duas começaram a coexistir em uma simbiose profunda: a célula maior se aproveitou da energia extra que a mitocôndria-ancestral produzia e a tal mitocôndria recebia alimento da célula que a estava hospedando.

Com o passar dos milhões de anos, a mitocôndria foi destinando parte de seu próprio DNA para a célula onde ela vivia, além de perder outras partes e mecanismos importantes de correção do material genético, que existem normalmente na célula eucariótica. Com isso, o DNA mitocondrial é muito mais suscetível a mutações e erros em seu DNA quando comparado com o DNA cromossomal (da célula). E isso é uma informação muito interessante do ponto de vista evolutivo.

Talvez você já tenha ouvido falar da 'Eva mitocondrial', que seria a mãe da espécie humana atual. Apesar do nome um pouco apelativo, na clássica mistura de religião e ciência, o nome foi dado pelo fato de que é possível rastrear essas mutações e encontrar a população que deu origem à nossa espécie atual, que tinham o mesmo padrão de mutações antes da espécie se espalhar pelo globo, acumulando suas próprias mutações.

E, obviamente, o nome 'Eva' não foi dado a toa: todas as pessoas da Terra possuem quase que, exclusivamente, mitocôndrias vindas da mãe.

Isso ocorre ainda não fecundação. O espermatozoide do pai possui mitocôndrias como qualquer célula eucariótica (ainda mais que ela precisa se locomover até encontrar o ovócito). Entretanto a quantidade de mitocôndrias é muitíssimo menor que a quantidade de mitocôndrias do ovócito, que vieram da mãe. Ou seja, quando ocorre a fecundação, quase que a totalidade de mitocôndrias que irão acompanhar o novo ser, seja menino ou menina, vieram da mãe.

Sabendo dessa linhagem matriarcal do DNA mitocondrial, é possível rastrear as mutações presentes na população humano e rastrear a origem dessas mutações, tanto no espaço como no tempo. Com isso, os pesquisadores chegaram a uma pequena população que viveu na África há cerca de 200 mil anos[3]!

Com isso, muitos pesquisadores acreditam que a espécie humana moderna (todos nós) surgiu na África subssariana por volta de 200 mil anos atrás. Graças a diversas características de nossa espécie (acredito que a curiosidade seja a principal delas), fomos ganhando terreno com o passar dos milênios, saindo a África e conquistando o mundo. Lá fora, nossos ancestrais encontraram outros humanos (e até outras espécies de humanos, como o neandertais), guerrearam, saquearam, estupraram e mataram amigos e inimigos. Mas também cresceram, desenvolveram e avançaram, povoando cada vez o planeta.

O vídeo abaixo ilustra os últimos 200 mil anos da espécie humana, desde sua saída da África, conquistando o mundo e construindo coisas tão abstratas como divisas territoriais, moedas e identidades nacionais. O vídeo tem quase 20 minutos e conta, através de cores no mapa, a história da humanidade! Veja o vídeo inteiro mas, caso não queira ver tudo, sugiro pular para partes importantes da história, como por volta dos anos 1000 AeC, na Idade Média (1000-1400 DeC), período das descobertas e partilha da África (1500-1900), seguindo pelas Grandes Guerras (1914-1945) e o mundo atual.


Rodapé:
[1]: eucariotos são organismos unicelulares ou pluricelulares que possuem um núcleo organizado, encerrado em uma estrutura chamada carioteca. Há, também, a presença de diversas organelas especializadas em afazeres específicos dentro da célula. Nós, assim como a maioria dos organismos macroscópicos que vivem conosco, são eucariotos. Plantas, fungos e protozoários também o são. Bactérias não entram nesse grupo.

[2]: ATP, ou adenosina trifosfato é uma pequena molécula que tem três fosfatos acompanhando. A ligação desses fosfatos possui energia que pode ser fornecida à célula quando ela precisar desempenhar algum processo (quebrar uma molécula ou permitir que ocorra trocas de moléculas entre o espaço extra-celular e intra-celular, por exemplo). A glicose possui muita energia química e precisa ser quebrada aos poucos (caso contrário a célula pegaria fogo, sério). Parte das etapas ocorrem no citoplasma celular, onde um mol de glicose (podemos imaginar uma molécula de glicose apenas participando desse processo, mas milhões de moléculas de glicose estão participando ao mesmo tempo) se transforma em dois mols de piruvato  (uma molécula menor) e energia em forma de ATP (seis mols). O piruvato entra na mitocôndria, onde ela passa por diversas transformações, liberando mais energia.

[3]: sim, não podemos tratar de uma única mulher que deu origem à humanidade. Quando tratamos de evolução, tratamos de mudanças ao nível de população. Provavelmente estamos falando de um pequeno grupo de pessoas que viviam na África e possuíam o mesmo nível de mutação no DNA mitocondrial. É quase certo que outros pequenos grupos humanos vivessem em diversos outros pontos da África (ou fora dele, na região da Mesopotâmia atual), cada um com suas características genéticas e, até mesmo mais antigas que 200 mil anos. Mas o perfil humano atual descende de um grupo que teve sucesso com o passar do tempo, talvez tendo mais filhos ou ganhando mais guerras ou terrenos. Óbvio que o conhecimento científico avança com o passar do tempo e novos dados podem vir à luz, elucidando mais sobre a nossa evolução.

Imagem em Wikipedia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Calendário Cósmico 07

A mágica do diagnóstico - post 2

Répteis não existem...